terça-feira, 28 de julho de 2009

Transtornos de Défcit de Atenção/Hiperatividade (T.D.A.H): Atualização Clínica

Um dos grandes problemas que nossas escolas vêm
enfrentando nos dias de hoje é a administração dos
conflitos surgidos com alunos portadores de
Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade
(TDAH). Mas o que é isto?
O TDAH manifesta-se através das características
centrais da hiperatividade, do distúrbio de atenção
(ou concentração), da impulsividade e da agitação.
Como conseqüência destes sintomas surgem
muitas vezes outros graves problemas como
distúrbios emocionais e dissociais de aprendizagem
e aproveitamento.
De acordo com o DSM-IV-TR (2003), este
transtorno é assim definido:
Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que
causam prejuízo devem ter estado presentes antes
dos 7 anos, mas muitos indivíduos são
diagnosticados depois, após a presença dos
sintomas por alguns anos. Algum prejuízo devido
aos sintomas deve estar presente em pelo menos
dois contextos (por ex., em casa e na escola ou
trabalho). Deve haver claras evidências de
interferência no funcionamento social,
acadêmico ou ocupacional apropriado em
termos evolutivos. A perturbação não ocorre
exclusivamente durante o curso de um
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento,
Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e
não é mais bem explicada por um outro
transtorno mental (por ex., Transtorno do
Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno
Dissociativo ou Transtorno da Personalidade).
Os indivíduos com este transtorno podem não
prestar muita atenção a detalhes ou podem
cometer erros por falta de cuidados nos
trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho
freqüentemente é confuso e realizado sem
meticulosidade nem consideração adequada. Os
indivíduos com freqüência têm dificuldade para
manter a atenção em tarefas ou atividades
lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas
até seu término. Eles freqüentemente dão a
impressão de estarem com a mente em outro
local, ou de não escutarem o que recém foi
dito... Os indivíduos diagnosticados com este
transtorno podem iniciar uma tarefa, passar para
outra, depois voltar a atenção para outra coisa
antes de completarem qualquer uma de suas
incumbências. Eles freqüentemente não
atendem a solicitações ou instruções e não
conseguem completar o trabalho escolar, tarefas
domésticas ou outros deveres”. O fracasso para
completar tarefas deve ser considerado, ao fazer
o diagnóstico, apenas se ele for devido à
desatenção, ao invés de outras possíveis razões
(por ex., um fracasso para compreender
instruções)... As tarefas que exigem um esforço
mental constante são vivenciadas como
desagradáveis e acentuadamente aversivas. Por
conseguinte, esses indivíduos em geral evitam
ou têm forte antipatia por atividades que
exigem dedicação ou esforço mental
prolongados ou que exigem organização ou
concentração (por ex., trabalhos escolares ou
burocráticos). .. Os hábitos de trabalho
freqüentemente são desorganizados e os
materiais necessários para a realização da tarefa
com freqüência são espalhados, perdidos ou
manuseados com descuido e danificados. Os
indivíduos com este transtorno são facilmente
distraídos por estímulos irrelevantes e
habitualmente inter-rompem tarefas em
andamento para dar atenção a ruídos ou eventos
triviais que em geral são facilmente ignorados
por outros (por ex., a buzina de um automóvel,
uma conversa ao fundo). Eles freqüentemente se
esquecem de coisas nas atividades diárias (por
ex., faltar a compromissos marcados, esquecer de
levar o lanche para o trabalho ou a escola). Nas
situações sociais, a desatenção pode manifestarse
por freqüentes mudanças de assunto, falta de
atenção ao que os outros dizem, distração durante
as conversas e falta de atenção a detalhes ou
regras em jogos ou atividades.
Em adolescentes e adultos, os sintomas de
hiperatividade assumem a forma de sensações de
inquietação e dificuldade para envolver-se em
atividades tranqüilas e sedentárias.
As manifestações comportamentais geralmente
aparecem em múltiplos contextos, incluindo a
própria casa, a escola, o trabalho ou situações
sociais... Os sinais do transtorno podem ser
mínimos ou estarem ausentes quando o indivíduo
se encontra sob um controle rígido, está em um
contexto novo, está envolvido em atividades
especialmente interessantes, em uma situação a
dois (por ex., no consultório do médico) ou
enquanto recebe recompensas freqüentes por um
comportamento apropriado (p. 112-113).
Epidemiologia
Segundo Facion (1991), estudos transculturais nos
E.U.A., Alemanha, Nova Zelândia e Uganda
comprovam que a hiperatividade não representa um
produto da civilização ocidental. Portanto, os
sintomas do T.D.A.H. são aparentemente
independentes do tempo e da cultura.
Dados de prevalência encontram-se na literatura,
exclusivamente referentes à amostragem entre os
alunos de escolas. Nos E.U.A. são indicados 3 a
15%, na Alemanha cerca de 9% da população
escolar.
Este transtorno é muito mais freqüente no sexo
masculino, com as razões masculino-feminino sendo
de 4:1 a 9:1. Estas oscilações são resultados tanto de
problemas de classificação como de definições de
casos escolares de pesquisas singulares. No Brasil
não temos conhecimento de nenhum levantamento
sistemático realizado sobre este transtorno (Facion,
ibidem).
Etiologia
Não se conhece ainda as causas do T.D.A.H.. Na
maioria dos casos não se observa evidências de
amplas lesões estruturais ou doenças no sistema
nervoso central.
Há uma série de hipóteses relacionadas com este
transtorno. São elas:
a) Defeitos orgânico-cerebrais: Aqui se supõe um
distúrbio da função do cérebro na primeira infância
provocada por uma lesão pré, peri ou pós-natal no
Sistema Nervoso Central. Esta poderia ter sido
causada por problemas circulatórios, tóxicos,
metabólicos etc., ou por stress e problemas físicos
no cérebro durante a primeira infância, causados
por infecção, inflamação e traumatismos. Muitas
vezes são sinais bem sutis e subclínicos.
Porém não se sabe bem ainda sobre a total validade
desta correlação, visto que os fatores de risco estão
presentes em outros distúrbios diferentes, além de
nem todas as crianças portadoras deste transtorno,
terem sido vítimas destes fatores de risco.
Os mecanismos exatos pelos quais se desenvolve
um transtorno de várias funções dos centros
nervosos são ainda desconhecidos. Os
Eletroencefalogramas (EEGs) e as Imagens por
Ressonância Magnética (IRM) ou as Tomografias
Computadorizadas (TCs), não reconhecem ainda os
indícios para diagnósticos específicos, ou seja, para
a identificação do transtorno.
Supondo-se uma causa orgânica, reuniu-se uma
série de itens de anomalias físicas, chamadas
“minor”, anomalias estas muitas vezes, mas não
somente, que podem ser observadas em crianças
com T.D.A.H.
b) Fatores Neuroquímicos: Através de experiências
clínicas com uso de estimulantes (anfetaminas,
entre outros) ou drogas tricíclicas (como por ex., a
desipramina), pode-se conseguir resultados
terapêuticos evidentes em crianças hiperativas. Por
isto, supõe-se uma ação desequilibrada dos centros
excitatórios e inibidores do Sistema Nervoso
Central, causada por distúrbios no metabolismo de
aminoácidos e dos neurotransmissores:
noradrenalina, serotonina e dopamina. Na realidade
não existem evidências claras implicando um único
neurotransmissor no desenvolvimento do T.D.A.H.
Muitos neurotransmissores podem estar envolvidos
no processo.
c) Fatores genéticos: Investigações com familiares e
gêmeos de crianças com T.D.A.H. indicaram uma
alta correlação hereditária das crianças atingidas
(Rohde e Benczik, 1999). No caso de famílias com
mais de um hiperativo, foram encontrados
alcoolismo e distúrbios sociopatas nos pais e
distúrbios histéricos nas mães. Em conseqüência
disto é suposto aqui uma sucessão poligenética
(Facion, 1991).
Outros estudos também sugerem que existe uma
prevalência superior de Transtornos do Humor, e de
Ansiedade, Transtorno da Aprendizagem,
Transtornos Relacionados a Substâncias e
Transtorno da Personalidade Anti-Social nos
membros das famílias de indivíduos com o T.D.A.H.
(Barkley, 1995).
d) Fatores alergênicos: Incentivado por observações
de casos clínicos isolados, há alguns anos, nos países
anglo-americanos, discute-se a possibilidade de que
este transtorno seja causado por determinados
ingredientes presentes nos alimentos. Muitos estudos
respectivos ocupam-se com os efeitos de salicítricos
e de fosfatos na alimentação, dentre eles a Liga
Antiphosfato, uma Organização não Governamental
sediada em Hamburgo, na Alemanha. Esta
organização faz experimentos há vários anos com
crianças portadoras do T.D.A.H. usando a dieta livre
de fosfato. De acordo com os relatos e materiais
informativos (folders e boletins) divulgados pelos
profissionais que nela atuam os resultados, em
vários casos, são bastante promissores.
Entretanto, as altas expectativas iniciais aqui
apresentadas não puderam ser confirmadas. A
chamada dieta de fosfato mostrou-se como eficaz
somente no caso de certas crianças e somente sob
certas condições.
Curso e Prognóstico
O T.D.A.H. é geralmente diagnosticado quando a
criança começa a freqüentar a escola ainda que os
sintomas já estejam presentes antes disto. Os
principais sintomas podem persistir na adolescência
e até na vida adulta. É, em alguns casos, comum
observar uma remissão na puberdade e sendo ainda
mais comum na juventude. Esta remissão pode
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Revista de Psicologia da UnC, vol. 1, n. 2, p. 54-58
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permitir uma vida adolescente ou adulta mais
produtiva, relacionamentos interpessoais
gratificantes e poucas seqüelas significativas. A
maioria destas pessoas, entretanto, apresentam uma
remissão somente parcial e podem ficar bastante
vulneráveis ao distúrbio da personalidade antisocial
e a outros distúrbios da personalidade e do
humor.
De acordo com Kaplan, Sadock & Grebb (2002),
em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas
persistem na vida adulta. Ainda que a
hiperatividade apresente uma melhora, os
indivíduos podem apresentar uma impulsividade,
estando propensos a acidentes. Observa-se também
que as famílias destes, normalmente, estão
estruturadas de uma forma caótica.
Tratamento
Atualmente as terapias que apresentam melhores
resultados nos casos de T.D.A.H. são:
a) Farmacológica: As alternativas farmacológicas
para o tratamento das pessoas portadoras deste
transtorno podem ser divididas em 3 grupos:
1. Psicoestimulantes (anfetamínicos, metilfenidatos
e pemolinos),
2. Neurolépticos,
3. Antidepressivos tricíclicos.
Especialmente no tratamento com estimulantes, o
controle motor e a capacidade de atenção puderam
ser positivamente influenciados (Kaplan, Sadock &
Grebb, 2002). Entretanto, a medicação parece ser
útil apenas nos casos em que a manifestação do
transtorno tem como sintomas cardiais a
impulsividade, inquietação motora e distúrbios de
atenção. Nas formas do transtorno, nos quais
predominam um comportamento anti-social ou
agressivo, ou distúrbios de capacidade
parcializada, esses grupos farmacológicos não são
indicados devido ao seu efeito insuficiente e
possibilidade de efeitos colaterais.
b) Tratamento Dietético: Baseado nos princípios
já citados nas hipóteses etiológicas, que
consideram os fosfatos alimentícios, ingredientes
artificiais de sabor, conservantes e corantes nos
alimentos como fatores, senão causadores,
reforçadores destes transtornos. Sendo assim, são
elaborados planos de dieta livres destas substâncias.
Observa-se em vários casos – principalmente
quando se trata de crianças que mantêm um nível de
inteligência e capacidades acadêmicas dentro dos
padrões da normalidade – uma melhora significativa
tanto no comportamento quanto na organização da
escrita e da leitura.
Contudo, os resultados destas pesquisas e
experiências não são suficientes para a comprovação
das hipóteses, pois, em outros casos, este
procedimento não tem demonstrado resultado
algum.
c) Princípios Psicoterapêuticos: Duas modalidades
psicoterapêuticas têm demonstrado alguns avanços
no tratamento de pessoas com T.D.A.H.:
1. Psicoterapia e Medicina Comportamental:
fundamentado e orientado nos princípios da teoria
behaviorista de reforço, os indivíduos são
“recompensados” regularmente quando permanecem
realizando uma atividade por um determinado
período de tempo (que inicialmente pode ser
limitado e, posteriormente, sucessivamente
aumentado). A recompensa realiza-se através de
atitudes carinhosas, afetuosas acompanhadas de
elogios. De maneira semelhante, outras formas de
comportamento, como controle motor podem ser
reforçados sistematicamente, integrando, deste
modo, o repertório de comportamento dos pacientes.
O objetivo central desta modalidade é treinar o
indivíduo a exercer um controle sobre os seus
próprios comportamentos.
2. Treinos de auto-instrução: Este treino, uma
adaptação do modelo proposto por Meichenbaum
(1979), executa-se em três etapas:
2.1 A criança observa o pedagogo (a professora)
realizando determinado trabalho, com calma e
concentração (por ex., faz um desenho),
comentando em voz alta suas atividades (“eu
pinto agora devagar esse canto”).
2.2 A criança é solicitada para efetuar a tarefa
observada e verbalizá-la em voz alta da mesma
maneira que a professora.
2.3 As auto-instruções faladas em voz alta são
substituídas pela tonalidade de voz cada vez
mais reduzida, até que a criança seja capaz de
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estruturar sua atividade verbal em nível de
pensamento.
A orientação familiar assim como as modalidades
de modificações de comportamento são sempre
necessárias. A estruturação do ambiente, a
organização do ciclo circadiano e a educação com
limites podem ajudar a diminuir o nível de
ansiedade e desorganização da pessoa com
T.D.A.H.. Sendo assim, os pais, professoras e
profissionais da saúde mental devem estabelecer
uma estrutura de relacionamento organizada,
previsível de recompensas e punições
(procedimento explicado por Caballo, 1996). Os
familiares devem ser orientados no sentido de
compreender que a permissividade, a compaixão, a
falta de limites não são úteis para a criança. Elas não
se beneficiam por serem dispensadas das exigências,
expectativas e planejamentos da vida diária de
qualquer outro indivíduo.
Estes procedimentos são especialmente adequados
para contribuir com o desenvolvimento do potencial
de atenção e concentração, estimulando o aumento
geral dos resultados. Com tudo isto pode-se diminuir
o grau de sofrimento tanto da criança como das
pessoas que convivem com ela no dia a dia.
Referências Bibliográficas
American Psychiatric Association (2003) Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -
DSM IV - TR, Porto Alegre: Artmed Editora (4a. ed).
Barkley, A. R. Taking charge of ADHD. (1995) The complete, authoitative guide for parents. Nova
York: The Guilford Press.
Caballo, V. (1996) Manual de Técnicas de Terapias e Modificação do Comportamento. São Paulo: Ed.
Santos.
Facion, J.R. (1991). Síndrome de Hipercinese: Uma revisão bibliográfica. In: Psicologia Argumento,
Ano IV, No. X, PUC Paraná, p. 07-24.
Holmes, D.S. (1997) Transtornos da primeira infância e da adolescência. Em: Psicologia dos
transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas.
Knapp, P. & Rohde, L. A. & LyszkowskI, L. & Johannpeter, J.. (2002) Terapia Cognitivo-
Comportamental no Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. Manual do Terapeuta. Porto
Alegre: Artmed Editora.
Kaplan, H. I. & Sadock, B.J. & Grebb, J. A..(2002). Transtorno de Déficit de Atenção. Porto Alegre:
ArtMed Editora.
Meichenbaum, D. (1979) Kognitive Verhaltensmodifikation. München: U. & S..
Rivière, A. (1997) O Desenvolvimento e a educação da criança autista. In: Palacios, César Coll &
Marchesi, Jesús Álvaro (Orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades Educativas e
aprendizagem escolar. Artes Médicas, Porto Alegre (3a. Ed.).
Rohde, L. A. & Benczik, E. B. P. (1999) Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. O que é?
Como Ajudar? Porto Alegre: Artmed Editora.
Recebido em: 2/10/2003
Aceito em: 2/03/2004

Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária

Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária

Attention deficit/hyperactivity disorder prevalence in an inner city elementary school


Marcio M. VasconcelosI; Jairo Werner Jr.II; Ana Flávia de Araújo MalheirosIII; Daniel Fampa Negreiros LimaIII; Ítalo Souza Oliveira SantosIII; Jane Bardawil BarbosaIII
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói RJ, Brasil IProfessor Assistente de Pediatria, HUAP-UFF. ex-Fellow em Neurologia Infantil no Children's Hospital, George Washington University, Washington, DC, USA IIProfessor Adjunto de Neuropsiquiatria Infantil, HUAP-UFF IIIInternos da Faculdade de Medicina, HUAP-UFF
Endereço para correspondência


RESUMO
OBJETIVO: Definir a prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) numa amostra de crianças escolares de uma única escola primária pública. MÉTODO: A população do estudo foi composta por todos os alunos das classes de alfabetização à quarta série de uma escola. No primeiro estágio da pesquisa, as professoras e os pais preencheram um questionário padronizado de 18 sintomas definidos no DSM-IV. No segundo estágio, os alunos com triagem positiva foram convidados para um atendimento na escola. Após assinatura de consentimento esclarecido, preencheram-se o questionário de sintomas do DSM-IV, uma anamnese dirigida e um questionário psicossocial concebido para a pesquisa e realizaram-se exames físico e neurológico completos. O diagnóstico de TDAH admitia três subtipos: hiperativo predominante (H), desatento predominante (TDA), ou misto (TDA+ H). RESULTADOS: De 403 alunos avaliados no início, 108 tiveram triagem positiva. Destes, avaliaram-se 101 alunos. Havia 68 meninos e 33 meninas. A idade mediana foi 9 anos (faixa, 6-15 anos; desvio padrão, 1,99). O diagnóstico de TDAH foi definido em 69 alunos (17,1%), incluindo 27 crianças (39,1%) com TDA sem H, 26 crianças (37,7%) com TDA + H e 16 (23,2%) com H sem TDA. Dentre as crianças diagnosticadas, 45 (65,2%) eram meninos e 24 (34,8%) meninas (razão 1,9:1). CONCLUSÃO: A prevalência de TDAH em 403 crianças escolares de uma escola primária pública foi 17,1%.
Palavras-chave: transtorno de déficit de atenção, hiperatividade, criança, prevalência.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To define the prevalence of attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD) in a sample school-aged children from a public elementary school. METHOD: The study population was composed of all pupils who attended the first five grades at a public state school. During the first stage, school teachers and parents filled a standardized questionnaire of 18 ADHD symptoms defined at DSM-IV. In the second stage, children who screened positive and their parents were invited for a medical visit at school. After signature of an informed consent, the following procedures were done: DSM-IV symptoms questionnaire, oriented history, physical exam and neurologic exam. ADHD diagnosis was subdivided into three types: predominantly hyperactive (H), predominantly inattentive (ADD), and mixed type ADD + H. RESULTS: Among 403 pupils recruited in the first stage, 108 screened positive. Of these, 101 were assessed. There were 68 boys and 33 girls. Median age was 9 years (Range, 6-15 years; standard deviation, 1.99). ADHD diagnosis was defined for 69 pupils (17.1%), including 27 children (39.1%) with ADD, 26 children (37.7%) with ADD + H, and 16 children (23.2%) with H without ADD. Among children who received a diagnosis of ADHD, 45 (65.2%) were boys and 24 (34.8%) were girls (ratio 1.9:1). CONCLUSION: ADHD prevalence in a sample of 403 school-aged children from a public elementary school was 17.1%.
Keywords: attention deficit disorder, hyperactivity, child, prevalence.


O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é o distúrbio do neurodesenvolvimento mais comum na infância1. A apresentação clínica do TDAH compreende três categorias principais de sintomas — desatenção, impulsividade e hiperatividade — que se manifestam em ambientes diferentes e causam comprometimento funcional2. Sabe-se também que o TDAH começa no início da vida e pode persistir na adolescência e idade adulta 3. A prevalência citada em diferentes estudos variou de acordo com a faixa etária da amostra e os critérios usados. A prevalência tradicionalmente mencionada é de 3 a 5% das crianças escolares4. Porém, é evidente que os estudos mais recentes encontraram prevalência mais alta, e os estudos epidemiológicos mais rigorosos definiram taxas de 4 a 12% da população geral de crianças de 6 a 12 anos de idade5. Os estudos epidemiológicos analisaram populações pediátricas em comunidades ou em escolas, com taxas geralmente mais altas nas últimas. Por exemplo, Newcorn et al.6 estudaram crianças de uma única escola primária de um bairro pobre urbano e encontraram uma prevalência de 26%. O impacto do TDAH na comunidade é ainda maior quando se considera que este transtorno acarreta morbidade continuada na adolescência (85% das crianças) e na idade adulta (50 a 70%)7.
Segundo a nomenclatura atual, em vigor desde 1994, com a publicação da quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition (DSM-IV)8, o TDAH compreende três subtipos: hiperativo-impulsivo predominante, desatento predominante e misto. Seja qual for a população estudada, o TDAH é diagnosticado com maior frequência em meninos que em meninas. As amostras clínicas descrevem razões entre os sexos masculino e feminino (M:F) de até 9 para 19. Porém, a maioria dos estudos encontrou razão M:F de 4:1 para o tipo predominantemente hiperativo-impulsivo, e 2:1 para o tipo predominantemente desatento10.
Este estudo tem por objetivo estabelecer a prevalência de TDAH numa amostra de crianças escolares, um tema raramente relatado por autores nacionais. A este respeito, Guardiola11 realizou um estudo pioneiro no município de Porto Alegre, no qual verificou-se uma prevalência de 18% de TDAH segundo os critérios do DSM-III-R. Mais recentemente, Rohde et al.12 encontraram prevalência de 5,8% (intervalo de confiança de 95% = 3,2-10,6%) numa amostra de 1013 adolescentes de 12 a 14 anos de idade representativos da população de adolescentes em Porto Alegre.

MÉTODO
Além do objetivo de definir a prevalência de TDAH numa amostra de crianças escolares, relatada neste estudo, a presente pesquisa teve o objetivo precípuo de aferir a correlação de um grupo de fatores psicossociais com o diagnóstico de TDAH. Assim, os autores optaram por estudar uma amostra socialmente homogênea de uma única escola pública. Os autores obtiveram a aprovação da pesquisa pela diretora e professoras do ensino fundamental do Colégio Estadual José Bonifácio (CEJB), em Niterói-RJ. O CEJB atende predominantemente a alunos da classe socioeconômica baixa. Sua população global de 1127 alunos (no segundo semestre de 1999), distribuídos em turmas do ensino fundamental (primeiro grau) e apenas uma turma de ensino médio (segundo grau), que provêm das comunidades carentes vizinhas, quais sejam, o Aterrado de São Lourenço (conhecido como Favela do Sabão), Morro da Boa Vista, Comunidade Juca Branco e Morro do Holofote.
Amostra. A amostra do estudo foi composta por todos os alunos das classes da alfabetização à quarta série, distribuídos por 21 turmas. As professoras do CEJB preencheram questionário de sintomas de TDAH (DSM-IV) para cada aluno de todas as turmas das cinco séries, isto é, um total de 572 alunos. Em seguida, convidaram um dos pais ou um responsável para visitarem a escola e preencherem a segunda cópia do questionário. Foi possível obter o preenchimento do questionário pelos pais ou responsáveis de 403 alunos. Portanto, a triagem inicial foi concluída para 403 alunos (70,5%) de cinco séries do CEJB, que tiveram o questionário de sintomas preenchidos pela professora e por um responsável. Cento e oito alunos alcançaram a pontuação mínima que satisfaz este critério para o diagnóstico de TDAH, mas apenas 101 (93,5%) compareceram e concluíram o atendimento da pesquisa. Todos os pais ou responsáveis que compareceram à escola aceitaram participar da pesquisa e assinaram o consentimento esclarecido. Os 7 alunos que não concluíram o atendimento (6 que jamais compareceram e um que compareceu mas abandonou o atendimento no início) foram excluídos da análise estatística.
Diagnóstico de TDAH. A pesquisa do diagnóstico consistiu inicialmente na avaliação dos 18 sintomas de TDAH estabelecidos do DSM-IV, os quais consistem em nove quesitos para desatenção e nove quesitos para hiperatividade/impulsividade. A presença de pelo menos seis de nove quesitos positivos sugere a presença de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade. Os 18 quesitos foram apresentados na forma de pergunta aos pais e à professora, com quatro respostas possíveis: "nunca", "pouco", "bastante" e "demais". Um determinado quesito foi definido como positivo quando a resposta escolhida foi "bastante" ou "demais". Uma resposta "nunca" ou "pouco" para um dado quesito significou ausência daquela manifestação de TDAH. Além da pontuação mínima no questionário de sintomas do DSM-IV, o diagnóstico clínico de TDAH exige a satisfação de quatro critérios adicionais, a saber, a presença de alguns sintomas pertinentes antes de 7 anos de idade; o comprometimento resultante dos sintomas deve estar presente em dois ou mais ambientes distintos; deve haver evidências claras de comprometimento clinicamente significativo da função social, acadêmica ou ocupacional; e os sintomas não são mais bem explicados por outra afecção, tal como transtorno global do desenvolvimento ou transtorno do humor (DSM-IV)2. A satisfação desses quatro critérios foi definida através da anamnese estruturada e do questionário psicossocial concebido para a pesquisa. Os 38 alunos (101 menos 69) que tiveram a triagem inicial positiva mas não satisfizeram todos os critérios de diagnóstico de TDAH durante o atendimento receberam o rótulo de "alunos indeterminados".
Atendimento. Os pais ou responsáveis de cada um dos 108 alunos que tiveram a triagem positiva para os sintomas de TDAH receberam convite por escrito para participarem da pesquisa, entregue a eles pela professora da criança. Os que não compareceram à data inicial de atendimento receberam convites adicionais por escrito. Os dados foram coletados sempre na presença de um dos pais ou do responsável e da criança. O período de coleta de dados estendeu-se de agosto de 1999 a fevereiro de 2000. A duração média de cada atendimento foi de aproximadamente 35 minutos. Quando o genitor ou responsável entrava na sala da pesquisa com a criança, inicialmente explicavam-se os objetivos e alcance da pesquisa através da leitura do formulário de consentimento esclarecido. Todos os pais ou responsáveis que compareceram à escola aceitaram participar da pesquisa e assinaram o consentimento, porém a mãe de uma única criança precisou se ausentar no início da coleta de dados e não retornou mais para preencher os formulários. Esta criança foi excluída da pesquisa. Assim, foi possível analisar 101 dos 108 alunos. Durante o atendimento, o genitor ou responsável respondia diretamente às 18 perguntas do questionário de sintomas de TDAH formuladas pelo pesquisador. Em seguida, obtinha-se uma anamnese dirigida para os sintomas e a repercussão clínica do TDAH, preenchia-se um questionário psicossocial concebido para a pesquisa e realizavam-se exames físico e neurológico completos da criança.

RESULTADOS
As 101 crianças recrutadas para este estudo frequentavam o CEJB da classe de alfabetização à quarta série, e pertenciam a 21 turmas diferentes. A série com maior representação foi a de alfabetização, com 29 crianças (28,7%), enquanto a primeira à quarta séries continham, respectivamente, 23, 16, 17 e 16 alunos. A faixa etária das crianças foi de 6 a 15 anos de idade (média, 9,4 anos; mediana, 9 anos; desvio padrão, 1,99 ano; erro padrão da média, 0,20 ano). A Figura 1 mostra a distribuição etária dos 101 alunos estudados. A renda média familiar foi de R$ 480,10, e 88,4% das crianças pertenciam a famílias com renda mensal inferior a 3 salários mínimos.



Triagem médica. Durante o atendimento padronizado das 101 crianças recrutadas para a pesquisa, detectaram-se anormalidades que levaram aos seguintes diagnósticos médicos: asma brônquica (5 crianças), deficiência visual (3), distúrbio do sono (3), furunculose (2), distúrbio de ansiedade (2), febre reumática (1), epilepsia parcial complexa (1), surdez moderada-grave (1) e pediculose (1). No total, a triagem médica foi positiva em 19 (18,8%) de 101 crianças. As crianças diagnosticadas foram encaminhadas aos ambulatórios do HUAP.
Prevalência e subtipos de TDAH. A triagem inicial realizada pelas professoras, que utilizou o questionário de sintomas de TDAH, foi positiva para 108 de 403 alunos (26,8%). Ao fim da análise sistemática de 101 dos 108 alunos com triagem positiva, 69 crianças tiveram o diagnóstico de TDAH confirmado. Tendo como base o tamanho de 403 alunos da amostra inicial, encontra-se uma taxa de prevalência de TDAH de 17,1%. A subclassificação dos casos diagnosticados segundo os subgrupos estabelecidos no DSM-IV mostra que o subgrupo mais frequente nesta amostra foi o déficit de atenção (TDA) sem hiperatividade (H) (27 alunos, 39,1%), seguido pelo subgrupo de desatenção e hiperatividade associadas (26 alunos, 37,7%) e por fim o subgrupo com hiperatividade predominante (16 alunos, 23,2%).
Embora a amostra inicial de 403 alunos mostrasse uma distribuição praticamente igual entre os dois sexos (meninos 53,6%, meninas 46,4%), dentre os 69 casos diagnosticados o sexo masculino predominou (65,2%). Esta diferença, contudo, não foi estatisticamente significativa (p = 0,71). Na comparação da distribuição sexual entre os três subgrupos de TDAH, observa-se que o sexo masculino foi sempre mais frequente, porém a desproporção é mais alta no grupo H (razão M:F de 3:1), intermediária no grupo TDA + H (razão M:F de 2,25:1) e mais baixa no grupo TDA (razão M:F de 1,25:1). Dentre as 24 meninas diagnosticadas com TDAH, o subgrupo mais prevalente foi aquele com déficit de atenção e sem hiperatividade (TDA), enquanto entre os 45 meninos diagnosticados o subgrupo misto (TDAH) foi o mais comum. Ou seja, os sintomas de hiperatividade/impulsividade estiveram presentes em 50% das meninas diagnosticadas (12/24), mas 66,7% (30/45) dos meninos os manifestaram. Porém, esta diferença não foi estatisticamente significativa (p = 0,18).

DISCUSSÃO
A partir de uma amostra de 403 alunos (70,5% do total de 572 alunos das primeiras cinco séries escolares), a aplicação isolada do questionário de sintomas de TDAH detectou achados positivos em 108 alunos (26,8%). Uma avaliação estruturada — incluindo a pesquisa dos cinco critérios de diagnóstico de TDAH definidos no DSM-IV — confirmou o diagnóstico em 69 (68,3%) de 101 alunos analisados, ou seja, a prevalência encontrada na pesquisa foi de 17,1% (69 casos na amostra de 403 alunos).
Uma comparação das taxas de prevalência de TDAH citadas em diferentes estudos (Tabela 1) mostra ampla variação. Por exemplo, o estudo realizado por Landgren et al.13 de 589 crianças com 6 anos de idade encontrou prevalência de apenas 2%, enquanto o estudo de Wolraich, et al.14 detectou prevalência de 16,1% baseada no questionário de sintomas.



O presente estudo encerra a importante limitação de ter analisado alunos de uma única escola, o que dificulta a generalização dos achados para o universo das crianças escolares. Newcorn et al.6 também estudaram uma amostra de crianças de uma escola primária pública de uma zona urbana carente e observaram prevalência de 26%. Não obstante, a análise de uma amostra socialmente homogênea de uma dada escola pode ajudar a definir a variação do risco de TDAH segundo características socioeconômicas de cada população. As altas taxas observadas no presente estudo (17,1%) e no estudo de Newcorn et al.6 (26%) fortalecem a noção de que determinados fatores psicossociais (p. ex., baixa renda) estão associados ao diagnóstico de TDAH15.
Embora o diagnóstico dependa da pontuação obtida no questionário de sintomas de TDAH, a satisfação apenas deste critério é insuficiente para o diagnóstico. Um estudo que demonstrou o risco de se utilizar apenas o questionário de sintomas é aquele de Wolraich, et al.14. Este autores estudaram amostra de 4323 alunos de 5 a 12 anos de idade; a análise isolada do questionário de sintomas preenchido por professores de escolas primárias demonstrou prevalência de 16,1% de TDAH. Porém, com a inclusão dos demais critérios de diagnóstico do DSM-IV, a prevalência caiu para 6,8%. Em suma, as informações obtidas através do questionário de sintomas devem ser complementadas com uma história clínica completa, incluindo a idade de início e duração dos sintomas, e uma anamnese cuidadosa, que inclua uma avaliação das consequências funcionais do comportamento da criança5.
Szatmari, et al.16 analisaram amostra de 2687 indivíduos de 4 a 16 anos de idade na zona rural do Canadá e encontraram taxa de prevalência de TDAH de 9,0% em meninos e 3,3% em meninas.
A prevalência de 17,1% está acima da faixa (4 a 12%) descrita recentemente na revisão por Brown et al.5. Porém, estes valores foram descritos para estudos populacionais, enquanto os estudos dedicados a amostras em escolas tenderam a encontrar taxas de prevalência mais altas (Tabela 1). Por exemplo Baumgaertel et al.17 descreveram uma prevalência de 17,8%, e a taxa observada por Newcorn et al.6 foi 26%. Estes últimos autores avaliaram 72 crianças matriculadas numa única escola pública de uma zona urbana carente e basearam o diagnóstico nos critérios do DSM-III-R. De certo, o pequeno tamanho da amostra deste estudo compromete os seus resultados, ao passo que o estudo de Baumgaertel et al.17 abrangeu amostra de 1077 alunos.
Scahill e Schwab-Stonne9 afirmaram que a idade da população estudada pode exercer uma influência importante na prevalência de TDAH, pois a idade mais frequente de diagnóstico seria aos 7-8 anos e depois haveria um declínio crescente da prevalência com a idade. Eles salientaram as dificuldades de se compararem taxas de prevalência de estudos diferentes, tendo em vista a ausência de um exame de diagnóstico definitivo para o TDAH. Argumentaram que os seguintes fatores também influenciam a prevalência observada: a definição de TDAH; a qualidade do informante; a consideração de comprometimento da função além da pontuação no questionário de sintomas; e os métodos de coleta dos dados. Além do mais, os estudos epidemiológicos anteriores a 1994 utilizaram os critérios de diagnóstico do DSM-III ou DSM-III-R, os quais tendiam a fornecer taxas de prevalência mais altas5.
Scahill et al.15 partiram de amostra de 449 crianças (idade média de 9,2 anos) numa comunidade e, através de múltiplos estágios de análise, definiram o diagnóstico de TDAH em 89 crianças (19,8%). A partir da noção de que a distribuição dos sintomas de TDAH na população infantil é contínua em vez de categórica, também definiram um grupo de 100 crianças (22,3%), as quais receberam o rótulo de TDAH subliminar, ou seja, elas apresentaram alguns sintomas de TDAH, mas não em número ou intensidade suficiente para definir o diagnóstico (grupo de TDAH subclínico ou latente). Assim, esses autores enfatizaram a importância da escolha do limiar diagnóstico em epidemiologia psiquiátrica. Um dado limiar estabelecido exclui o diagnóstico em crianças que estão muito próximas mas aquém do limiar; por isso, os autores definiram um grupo intermediário entre sujeitos afetados e não-afetados com a finalidade de aprimorar a análise da influência dos fatores de risco no desfecho de TDAH.
As questões de qual intensidade dos sintomas comportamentais deve ser suficiente (limiar) para estabelecer o diagnóstico e qual instrumento deve ser utilizado para medi-la (no caso do TDAH, o questionário de sintomas) foram sublinhadas pelos críticos dos princípios do diagnóstico e tratamento do TDAH18-20. Porém, no uso clínico de qualquer exame complementar em medicina, o processo de diagnóstico depende da definição "arbitrária" de limiar que implicará em determinadas sensibilidade e especificidade daquele instrumento21. Assim, um limiar muito alto (sensibilidade baixa, especificidade alta) acarretaria uma taxa baixa de falso-positivos, mas uma alta taxa de falso-negativos, e vice-versa. Como em toda a neuropsiquiatria não existe um padrão-ouro que permita esclarecer o diagnóstico "com certeza", clínicos e pesquisadores devem contemporizar com os limites inerentes de seus recursos diagnósticos. Conclui-se que as dificuldades resultantes da ausência de um padrão-ouro não devem servir para invalidar determinado diagnóstico.
Outra crítica frequente ao uso do questionário de sintomas no diagnóstico de TDAH é a subjetividade das respostas ao questionário19. Conners3 salientou que a escala de classificação dos sintomas de TDAH por ele concebida foi padronizada e validada com base na resposta de 11000 crianças, adolescentes e adultos. Segundo aquele autor, uma vantagem das escalas de classificação estaria justamente no fato de que "os itens incluídos na escala podem utilizar uma grande base de dados normativos [subjacentes] na mente do observador".
No Brasil, as pesquisas sobre a prevalência de TDAH em crianças e adolescentes são escassas. O estudo de Guardiola11 foi pioneiro ao analisar uma amostra de 484 crianças da primeira série do ensino fundamental em Porto Alegre. Ela descreveu duas taxas de prevalência: 18% quando os critérios adotados foram os do DSM-III-R, e 3,5% quando se utilizaram critérios mais globais, incluindo avaliações comportamental e psicométrica e o exame neurológico evolutivo. A julgar pelo volume de estudos que descreveram taxas de prevalência mais altas em amostras similares, é possível que a autora tenha empregado limiar alto demais para obter a segunda taxa. Rohde et al.12 encontraram taxa de prevalência de 5,8% após escrupulosa avaliação clínica e comportamental de amostra representativa de adolescentes de 12 a 14 anos. Os autores utilizaram o questionário de 18 sintomas descrito no DSM-IV. Como os critérios para diagnóstico de TDAH formais foram concebidos para crianças pequenas, e não foram ajustadas para adolescentes e adultos4, é possível que esta taxa subestime a dimensão do TDAH na adolescência.
É preciso enfatizar algumas limitações deste estudo. Algumas crianças incluídas na categoria "alunos indeterminados" talvez recebessem o diagnóstico de TDAH numa análise mais detalhada do seu quadro clínico. Reconheceu-se essa possibilidade, mas foi necessário limitar-se aos métodos estabelecidos na pesquisa. Esse possível erro de classificação provavelmente não invalidaria a taxa de prevalência encontrada. Ademais, uma palavra de cautela é oportuna a respeito da generalização dos achados da pesquisa, uma vez que o estudo utilizou amostra de crianças escolares matriculadas numa única escola pública. Convém ressaltar que o número de sujeitos analisados foi relativamente pequeno (n = 403), o que reduz a potência estatística do estudo, e a população do estudo pertencia à classe socioeconômica mais desfavorecida, o que reduz a validade externa dos resultados para as crianças escolares de todas as classes socioeconômicas.
Agradecimento - Os autores desejam agradecer à Profa. Helena Maria Sardenberg Bastos, pela colaboração inestimável na realização deste estudo.

REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência Dr. Marcio M. Vasconcelos Avenida das Américas 700 sala 229 bloco 6 22640-100 Rio de Janeiro RJ, Brasil E-mail: mmvascon@centroin.com.br
Recebido 6 Junho 2002, recebido na forma final 30 Agosto 2002. Aceito 13 Setembro 2002.

domingo, 26 de julho de 2009

AVISO AO NOSSO PÚBLICO

POR ENQUNTO ESTAMOS POSTADO PESQUISAS DA NET. MAS TEREMOS DQ UNS DIAS PESQUISAS POSTADAS DOS NOSSOS PRÓPRIOS PROFISSIONAIS, CAPACITADOS E COMPETENTES . FIQUEM NO AGUARDO

http://hcnet.usp.br/ipq/revista/vol31/n3/117.html

Eficácia da bupropiona no tratamento do TDAH. Uma revisão sistemática e análise crítica de evidências
Daniel Segenreich1
Paulo Mattos


1Residente do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador do Grupo de Estudos do Déficit de Atenção – GEDA.
2 Professor-adjunto da UFRJ, coordenador do GEDA.
Endereço para correspondência:


Rua Paulo Barreto, 91 – Rio de Janeiro – RJ – CEP 22280-010, e-mail: mattos@attglobal.net



Introdução




O TDAH acomete de 3% a 6 % das crianças em idade escolar (American Psychiatry Association, 1994; Rohde e cols., 1999), sendo a causa mais comum de encaminhamento a serviços especializados da infância e adolescência. Num estudo de 1996, 4,7% dos adultos avaliados atendiam aos critérios da DSM-III para TDAH (Murphy e cols., 1996). Além disso, achados em diferentes estudos de seguimento apontam para a persistência dos sintomas, surgidos na infância, durante a vida adulta (Weiss e cols., 1985; Manuzza e cols., 1993; Fischer, 1997). Um fator importante é o comprometimento interpessoal, acadêmico e social experimentado pelos pacientes. Estudos (Spencer e cols., 1998; Weiss e cols., 1985; Biederman e cols., 1993; Shekim e cols. 1990) mostram que o comprometimento funcional de portadores de TDAH nessas áreas iniciase em idade pré-escolar e se estende até a idade escolar e vida adulta; conclui-se que a denominada “remissão funcional” ocorre em uma minoria de casos, apesar de existir “remissão sindrômica” em cerca da metade dos casos (Weiss e cols., 1985).

O tratamento do TDAH é primordialmente medicamentoso, havendo evidências robustas de superioridade da farmacoterapia sobre o tratamento psicoterápico isolado (Multimodal Treatment Study of Children with ADHD [MTA], 1999). Sintomas denominados secundários (tais como o déficit na interação social, por exemplo) podem, entretanto, freqüentemente exigir uma abordagem psicoterápica, no caso, a Terapia Cognitivo-Comportamental.

O tratamento pode ser realizado com diferentes classes de medicamentos. A primeira escolha permanece
sendo os psicoestimulantes (metilfenidato e derivados anfetamínicos). As demais classes são os antidepressivos (em especial os tricíclicos) e a atomoxetina (previamente denominada tomoxetina), esta última sendo o único medicamento não-estimulante aprovado pelo FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos. Outros antidepressivos, como a venlafaxina, também já foram investigados tanto em crianças quanto adultos (Guitman e cols., 2001). Embora a utilização de psicoestimulantes continue sendo um tratamento extremamente eficaz e seguro para TDAH, uma minoria de pacientes pode apresentar eventos adversos, tais como ansiedade, insônia e anorexia, necessitando de outra medicação (Wilens e cols., 2000). O potencial para abuso, embora existente, não deve ser critério para escolha de medicamento não-estimulante (Levin e cols., 1998; Riggs e cols., 1996).

A bupropiona (CH13H18CINO) é classificada como um antidepressivo atípico, pertencente à classe das aminocetonas (Figura 1). Foi desenvolvida no final da década de 1970, e os primeiros estudos de eficácia datam do início da década seguinte. Foi inicialmente comercializada nos Estados Unidos em 1985, permanecendo menos de um ano no mercado devido à associação com convulsões. Em 1989, foi reintroduzida em apresentações com doses menores e atualmente é aprovada para tratamento de depressão maior, tabagismo e depressão bipolar.

Seu mecanismo de ação é bastante controverso e ainda pouco elucidado. Os estudos iniciais apontam um fraco bloqueio na recaptação de dopamina e noradrenalina. A bupropiona também não possui ação
inibitória sobre a enzima monoaminooxidase. Ela possui ação noradrenérgica, porém os mecanismos envolvidos não são claros (Dong e Blier, 2001; Ascher e cols., 1995). Um estudo recente (Meyer e cols., 2002) questiona a intensidade de sua ação dopaminérgica.



Novas indicações vêm sendo propostas para a bupropiona, entre elas o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Entretanto, sua eficácia é considerada menor que a dos estimulantes (Spencer e cols. 1996; Casat e cols., 1987; Conners e cols., 1996; Barrickman e cols., 1995).

Neste artigo, procuramos revisar a eficácia e o perfil de eventos adversos do uso de bupropiona no tratamento do TDAH, através do MEDLINE e LILACS, de 1990 a 2003.



Metodologia




Foi realizada revisão sistemática de 1990 até 2003 através do MEDLINE e LILACS, utilizando-se as
seguintes palavras-chave: bupropion, attention deficit disorder, ADD e ADHD. Todos os artigos encontrados (N = 9) foram utilizados, não existindo disponível, na literatura, qualquer artigo de revisão sobre esse tema. Um resumo dos estudos avaliados na presente revisão é apresentado na Tabela 1.



Estudos em crianças e adolescentes

O número de estudos sobre tratamento farmacológico de TDAH em crianças e adolescentes é significativamente maior que o de adultos. Como exemplo, o número de estudos que utilizam psicoestimulantes para o tratamento de TDAH em crianças e adolescentes excede 150 enquanto, em adultos, este número é de 7 estudos (Wilens e cols. 1995).

Um estudo publicado em 1995 por Barrickman e cols. concluiu que a bupropiona é eficaz no tratamento de TDAH, sendo equivalente ao metilfenidato em eficácia. Este estudo acompanhou 15 portadores de TDAH (entre 7 e 17 anos), que foram randomizados em dois grupos, procedendo-se a um desenho comparativo cruzado após tratamento por seis semanas. Todos os pacientes fizeram uso de ambas as drogas. A resposta ao tratamento foi medida através de escalas específicas fornecidas aos pais e professores, bem como através do Clinical Global Impression (CGI) e alguns testes neuropsicológicos. A amostra pequena e o desenho aberto indicam cautela na interpretação desses resultados.

Em 1996, Conners e cols. conduziram um ensaio multicêntrico, duplo-cego, randomizado, com 109 crianças (entre 6 e 12 anos), com bupropiona comparada a placebo. O acompanhamento era de seis semanas, e a dose de bupropiona variava entre 3 a 6 mg/kg por dia. Quando comparada ao placebo, a bupropiona mostrouse mais eficaz no controle dos sintomas primários do TDAH. Essa melhora era mais bem documentada nos questionários de professores do que nos de pais. Diferentemente do que fora observado por Barrickman e cols., quando esses resultados foram comparados com aqueles de metanálises do uso de psicoestimulantes, a eficácia da bupropiona revelou-se menos robusta.

Em 1998, Riggs e cols. estudaram uma amostra de adolescentes com TDAH associado a transtorno de conduta e abuso de substâncias. Foram acompanhados 13 adolescentes (entre 14 e 17 anos) durante cinco semanas em um ensaio clínico aberto, utilizando-se bupropiona titulada até dose máxima de 300 mg/dia. Os resultados encontrados também mostraram a eficácia da bupropiona quando mensurada através de questionários de professores e também através do (CGI).

Em 2001, Daviss e cols. estudaram o efeito da bupropiona de liberação prolongada (SR) em um grupo de pacientes com TDAH e depressão (incluindo tanto depressão maior como distimia). A amostra foi
constituída de 24 adolescentes (entre 11 e 16 anos), que inicialmente recebiam placebo por duas semanas. A partir da terceira semana, iniciava-se bupropiona, que era titulada até a dose de duas tomadas de 3 mg/kg cada. Os indivíduos eram acompanhados por mais oito semanas a partir de então. Questionários medindo sintomatologia depressiva eram fornecidos ao paciente e aos pais, enquanto questionários referentes ao TDAH eram preenchidos por pais e professores. Escalas para TDAH e depressão eram preenchidas pelos pesquisadores, à semelhança do CGI. Os achados indicaram que a bupropiona SR era bem tolerada em pacientes com TDAH e depressão, sendo eficaz na redução de sintomas de ambos os transtornos. Uma das limitações desse estudo é não considerar que a melhora do quadro depressivo necessariamente corresponde a uma menor pontuação em escalas de gravidade do TDAH, uma vez que dificuldades de atenção e memória estão presentes em ambos os diagnósticos.

Estudos em adultos

Após estudos iniciais realizados ainda em meados da década de 1980 utilizando bupropiona no tratamento de crianças e adolescentes portadores de TDAH (Casat e cols., 1987; Simeon e cols., 1986),
iniciaram-se estudos com amostras de adultos. Esses estudos preliminares apresentavam muitas limitações, como, por exemplo, a inclusão de pacientes com transtornos disruptivos do comportamento, ansiedade ou distúrbios do sono, por vezes considerando tais sintomas como parte do quadro clínico de TDAH. É difícil caracterizar com propriedade se os pacientes avaliados nesses estudos iniciais eram de fato portadores de TDAH, razão pela qual os resultados não foram considerados no presente artigo.

Em 1990, Wender e cols. acompanharam 19 adultos com TDAH. Tratava-se de um estudo aberto, com pacientes atendendo aos critérios diagnósticos para TDAH desenvolvidos pelo próprio grupo, pioneiro no estudo de adultos (Escala de Utah). Os pacientes da amostra já se encontravam sob tratamento farmacológico, tanto com psicoestimulantes (doze pacientes com metilfenidato, dois com danfetamina, um com benzofetamina) como com antidepressivos (um paciente recebia tranilcipromina). Todos os pacientes foram submetidos a retirada gradual da medicação por um período de duas semanas. Em seguida, foi iniciada bupropiona em dose inicial de 150 mg/dia, podendo ser titulada em mais 75 mg/dia a cada dois ou três dias, até a dose máxima de 450 mg/dia. Cinco pacientes não toleraram dose mínima de bupropiona e foram retirados da pesquisa. Catorze pacientes continuaram na pesquisa e concluíram as oito semanas de uso de bupropiona. As medidas de eficácia foram o CGI e uma escala para sintomas de TDAH (Targeted Attention Deficit Disorder Symptoms Scale). Os resultados obtidos apontaram eficácia da bupropiona no tratamento do TDAH, levando-se em consideração a significativa diminuição das pontuações de ambas as escalas. É importante ressaltar que se tratava de um grupo de pacientes que já apresentava resultado positivo com outra medicação anterior, o que pode ter criado um viés nos resultados com a bupropiona. Entretanto, um aspecto interessante consistiu na preferência de dez pacientes (de um grupo total de 14 pacientes) em manter o tratamento com bupropiona. Devem ser feitas algumas ressalvas a esse ensaio: trata-se de um estudo aberto, não comparativo e com amostra pequena.

Em 2001 – cerca de 11 anos após o estudo de Wender e cols. –, Wilens e cols. publicaram os resultados de um ensaio clínico duplo-cego, randomizado, controlado com placebo, de seis semanas, com 40 pacientes (entre 20 e 59 anos de idade). Vinte e um receberam bupropiona de liberação prolongada e 19
receberam placebo; 38 pacientes concluíram o estudo, revelando baixa taxa de dropout. Os pacientes eram submetidos à entrevista clínica estruturada baseada nos critérios da DSM III-R e DSM-IV e eram submetidos aos testes WAIS-R e ao Wide-Range Achievement Test-III para avaliação de inteligência e desempenho acadêmico. Pacientes com doença clínica crônica, histórico de arritmias ou convulsões, retardo mental, doenças neurológicas, abuso ou dependência de álcool e drogas nos últimos seis meses ou uso atual de psicotrópicos foram excluídos. As medidas de eficácia foram CGI, a ADHD Rating Scale, Escalas de Hamilton para Depressão (HAM-D) e Ansiedade (HAM-A) e Inventário Beck de Depressão. O grupo que recebeu bupropiona iniciou tratamento com 100 mg/dia, sendo a dose aumentada em 100 mg/dia semanalmente até atingir a dose de 400 mg/dia em duas tomadas diárias na quarta semana. O subgrupo com TDAH tipo predominantemente desatento era o mais comum, seguindo-se dos subgrupos com os tipos combinado e predominantemente hiperativo (nessa ordem). Um total de 89% dos pacientes possuía diagnóstico de comorbidade psiquiátrica passada e 49%, diagnóstico de comorbidade psiquiátrica no último mês. Ao final do estudo, 52% dos adultos que receberam bupropiona atingiram as classificações melhor e muito melhor no CGI, enquanto apenas 11% dos pacientes do grupo que recebeu placebo obtiveram a mesma classificação. Embora esses resultados apontem eficácia da bupropiona quando comparada a placebo no controle de sintomas de TDAH, algumas limitações do estudo precisam ser levadas em consideração. A população estudada possuía um alto nível socioeconômico. Apesar das melhoras nos escores das escalas de ansiedade e depressão nos pacientes que apresentavam comorbidade, cabe ressaltar que o tamanho da amostra não permite avaliar a resposta à bupropiona em pacientes com TDAH e depressão e/ou ansiedade comórbidos. A exposição durante um curto período de tempo a doses mais altas de bupropiona não parece adequada para avaliar resposta clínica de portadores de TDAH, em especial com comorbidade.

Ainda em 2001, Kuperman e cols. realizaram um estudo no qual 30 pacientes (entre 18 e 60 anos) foram acompanhados em ensaio clínico duplo-cego, randomizado, controlado com placebo. Os pacientes eram alocados aleatoriamente em três grupos (placebo, bupropiona ou metilfenidato) e, então, acompanhados por sete semanas. O metilfenidato era titulado dentro de uma semana até dose máxima de 0,9 mg/kg por dia, enquanto a bupropiona era aumentada até dose máxima de 300 mg/dia, em duas tomadas diárias. A medida de eficácia foi o CGI. Os resultados encontrados foram respectivamente os seguintes para bupropiona, metilfenidato e placebo: 64%, 50% e 27% de respostas indicando melhora do estado clínico. Os resultados obtidos não apresentaram significância estatística. O pequeno tamanho de cada grupo (dez pacientes) não permite maiores conclusões sobre os resultados.

Em 2002, Levin e cols. acompanharam por 12 semanas 11 pacientes adultos com comorbidade TDAH e abuso de cocaína segundo os critérios da DSM-IV. Tratava-se de um ensaio monocego, no qual todos os pacientes recebiam o tratamento com bupropiona. Além disso, todos também eram submetidos à terapia individual para prevenção de recaída de uso de cocaína. Os resultados obtidos indicaram melhora nos sintomas de TDAH e também diminuição do uso de cocaína e da fissura (craving), através de auto-relato. Foram utilizados exames toxicológicos além dos auto-relatos. Os resultados desse estudo foram comparados com resultados de pesquisa anterior, que acompanhou grupo de pacientes com diagnóstico semelhante (Levin e cols., 1998a). Os autores sugeriram que a bupropiona possa ser tão eficaz quanto o metilfenidato associado à terapia de prevenção de recaída em uma população de pacientes com TDAH e abuso de cocaína. As limitações a serem consideradas são o desenho não-controlado e o tamanho da amostra.

No estudo mencionado acima, utilizou-se metilfenidato de liberação prolongada, sendo os resultados obtidos com bupropiona comparáveis àqueles obtidos com metilfenidato.

Em 2003, Wilens e cols. publicaram os achados de um estudo sobre uso de bupropiona em pacientes com TDAH e transtorno bipolar do humor. Tratavase de um ensaio clínico aberto, prospectivo, com duração de seis semanas. Foi utilizada bupropiona de liberação prolongada, em doses que variavam entre 200 e 400 mg/dia (dose média diária de 370 mg/dia). A amostra do estudo era constituída por 36 adultos (idade variando entre 19 e 57 anos; média de 34 anos), sendo 9 mulheres e 27 homens. Todos os pacientes incluídos apresentavam o diagnóstico de TDAH e de transtorno bipolar I ou II, segundo os critérios da DSM-IV. Excluíram-se os pacientes que apresentavam outros diagnósticos, incluindo ciclotimia. Foram utilizados o Structured Clinical Interview for DSM-IV (SCID) e alguns módulos do Kiddie Schedule for Affective Disorders and Schizophrenia – Epidemiological Version (KSADS-E). Os resultados encontrados mostraram redução importante nos escores iniciais obtidos com o ADHD Symptom Checklist de até 55% dos valores iniciais. O CGI também apresentou resultados significativos de melhora. A redução nos escores iniciais foi de 40%, e 70% dos pacientes manifestaram melhora clínica. Entre os efeitos colaterais, os mais freqüentes foram: cefaléia (36%), insônia (31%), xerostomia (25%), náuseas (14%), diminuição do apetite (11%), constipação (6%) e diarréia (3%).

Nesse estudo, os resultados obtidos sugerem eficácia e boa tolerabilidade da bupropiona de liberação prolongada no tratamento de sintomas de TDAH em pacientes que apresentam comorbidade com transtorno bipolar do humor. É importante observar que, nessa amostra (a maioria apresentando transtorno bipolar II), não foi observada ativação de sintomas maníacos conseqüente ao uso de bupropiona. As limitações do estudo são o desenho e tamanho da amostra. Além disso, a maior parte dos casos é composta por pacientes com transtorno bipolar II, pouco sintomáticos. Esses achados não podem ser generalizados para transtorno bipolar I ou casos em que estejam presentes sintomas maníacos de maior gravidade.


Conclusões



A bupropiona pode ser considerada uma alternativa para o tratamento de TDAH. Os estudos com amostras de crianças, adolescentes e adultos indicam existir eficácia no tratamento do TDAH. Nenhum dos estudos disponíveis, entretanto, apresenta metodologia que permita comparar a eficácia da bupropiona em relação aos estimulantes, embora a maioria deles aponte para um tamanho de efeito menor do antidepressivo.

Alguns pacientes apresentam eventos adversos com o uso de psicoestimulantes. Para estes, outras opções de tratamento incluem a atomoxetina e alguns antidepressivos, dentre eles a bupropiona. O perfil de eventos adversos da bupropiona é bastante satisfatório e, nos estudos revisados, não houve nenhum relato de evento adverso sério. Doses elevadas de bupropiona parecem estar correlacionadas ao aumento da incidência de episódios convulsivos, sendo recomendadas doses de, no máximo, 400 mg/dia.

Um aspecto importante em alguns dos estudos obtidos nesta revisão é a avaliação de populações que apresentam, além do TDAH, comorbidades com transtornos do humor e abuso/dependência de álcool e drogas, por exemplo. Considerando a elevada taxa de comorbidades em amostras de pacientes com TDAH, o estudo desses grupos pode constituir um passo para estabelecimento de estratégias terapêuticas específicas. No caso da bupropiona, a eficácia em sintomas depressivos e de TDAH poderia ser uma escolha, na dependência de outros estudos contemplando a melhora dos sintomas de cada transtorno isoladamente e uma comparação às estratégias já existentes (estimulante mais antidepressivo).

A presente revisão tem, entre suas limitações, a análise exclusiva dos resultados publicados na literatura através do MEDLINE e LILACS e dos artigos solicitados diretamente ao fabricante. Não foi realizada busca através de autoridades regulatórias de dados não publicados.


Eventuais conflitos de interesses



Dr. Paulo Mattos é membro do comitê consultivo, palestrante ou recebe verba de pesquisa clínica das
indústrias Janssen-Cilag, Eli Lilly, Novartis e GlaxoSmithKline.


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TDAH

Transtornos de aprendizagem em presença de respiração oral em indivíduos com diagnóstico de transtornos de défcit de atenção/hiperatividade(TDAH)

Learning disabilities and mouth breathing in subjects with attention deficit hyperactivity disorder diagnosis


Cleiva Flamia Diniz Vera I; Graciane Elias Setúbal Conde II; Rubens Wajnsztejn III; Kátia Nemr IV
IFonoaudióloga, Departamento de Educação da Prefeitura Municipal de Iperó, Especialização em Linguagem, Especialista em Voz. IIFonoaudióloga, Clínica Eros & Psiquê, Especialização em Linguagem. IIIMédico neurologista, Docente da Disciplina de Neurologia da Faculdade de Medicina daFundação do ABC (FMFUABC); Mestre em Neuropediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo. IVFonoaudióloga, Professora Concursada da Universidade de São Paulo, Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.
INTRODUÇÃO
Ao passar por várias nomenclaturas desde meado do século XIX 1,2, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é atualmente considerado como um distúrbio do neurodesenvolvimento infantil, que pode persistir ao longo da vida em mais da metade dos casos 3-8.
O TDAH caracteriza-se pela clássica tríade sintomatológica persistente de desatenção, hiperatividade e impulsividade 1-4, em graus variados, que se manifestam em diferentes ambientes, podendo ter três subtipos: predominante desatento, predominantemente hiperativo-impulsivo e combinado 1, 2, 4, 6.
Quanto ao gênero, estudos apontam para maior prevalência do TDAH no gênero masculino 3,7,9, com razões entre os gêneros masculino e feminino de 9:1 3 e de 4:1 para subtipo predominantemente hiperativo-impulsivo e 2:1 para o predominantemente desatento 3,10.
Crianças com TDAH estão fadadas ao fracasso escolar, dificuldades emocionais e lingüísticas mesmo com potencial intelectual adequado 1,6,7,11-17, tendo em mais de 50% dos casos comorbidade com os Transtornos de Aprendizagem (TA) 4 dentre tantos outros 12.
O TA em portadores de TDAH pode ser justificado pelo processo de atenção ser essencial e de primordial importância para a adequada aprendizagem na fase de aquisição e desenvolvimento de linguagem. Desta forma, crianças com limitações prematuras para se comunicarem deparam-se com problemas de relacionamentos interpessoais e poderão apresentar risco para transtornos específicos de aprendizagem de leitura e escrita 18,19.
O TDAH foi indicado como motivo de piora do prognóstico escolar para crianças portadoras de TA, mais do que a comorbidade com transtornos internalizantes, como a depressão. Entre as razões declaradas para possuir maior freqüência de mau desempenho escolar, estudos ou autores citam à própria disfunção neuropsicológica deste transtorno 20.
Assim, a importância da identificação de TA em comorbidade com TDAH está intimamente associada com o sucesso de medidas estratégicas terapêuticas 4,6-8.
O respirador oral 21 também possui inúmeras alterações e seu quadro clínico é descrito pela literatura como Síndrome do Respirador Oral (SRO) 22-24. A SRO tem muitas características que parecem estar associadas ao TDAH, como aponta a literatura 22,24, em particular àquelas que apresentam a Síndrome da Apnéia obstrutiva do Sono 25,26. No entanto, não existem estudos científicos comprovando tal evidência.
Na prática clínica com doenças neurológicas observa-se associação entre estas desordens com alterações da morfologia craniofacial e sintomas como déficit de atenção e alterações comportamentais, mas não são os sintomas respiratórios que levam os indivíduos ou seus responsáveis à procura de tratamento 22.
Portanto, a SRO e o TDAH são originários de causas diferentes, embora configuram sintomas em comum: dificuldades de aprendizado, dificuldades de concentração, ansiedade, impulsividade, irritabilidade, baixa auto-estima e dificuldade de sociabilização 22-24.
Além disso, estudos também demonstram correlação entre a respiração oral e dificuldade na aprendizagem, além de problemas disciplinares, principalmente em meninos 26,27, decorrentes de insuficiente irrigação sanguínea cerebral 22,24-26,28-30, causando sonolência e conseqüente interferência na atenção e prejuízo na compreensão 27.
O interesse pelo estudo justifica-se pela escassez de pesquisas voltadas para a análise da possível associação entre TDAH, baixo rendimento escolar e a presença de respiração oral em crianças e adolescentes 22.
Portanto, os objetivos do presente estudo são: caracterizar a população com diagnóstico de TDAH; levantar a prevalência de TA e a presença de respiração oral, bem como verificar as possíveis associações entre as variáveis.

MÉTODOS
Foram estudados os prontuários de 77 sujeitos, freqüentadores do Serviço Ambulatorial de Neurodificuldades da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), no estado de São Paulo, entre o período de 2005 e 2006.
Como critério de inclusão, todos deveriam ter o diagnóstico de TDAH pela equipe multidisciplinar, compreendendo a faixa etária de sete a dezessete anos, de ambos os gêneros e freqüentadores de ensino escolar.
Como critério de exclusão, considerou-se sujeitos portadores de outras deficiências: mental, auditiva ou visual, as quais poderiam interferir no desenvolvimento da aprendizagem.
Primeiramente, realizou-se o levantamento de dados dos 77 prontuários, a partir do qual foram coletados os resultados do diagnóstico de Transtornos de Aprendizagem (TA) efetuados pela equipe multidisciplinar.
Os pacientes foram submetidos a uma avaliação respiratória, realizada pelas pesquisadoras, por dois protocolos adaptados 31, no próprio ambulatório, com tempo aproximado de quinze minutos cada. O primeiro foi dirigido aos responsáveis pelos pacientes em forma de anamnese clínica contendo dados de identificação, escolaridade, repetências, queixas escolar e respiratória, tratamentos, histórico familiar, alergias, olfato/paladar, amamentação, maus hábitos orais e sinais da Síndrome do Respirador Oral (SRO).
O segundo, dirigido aos pacientes, constou de avaliação descritiva-observacional com dados de postura corporal, avaliação estrutural, mobilidade e tonicidade e funções de sucção, deglutição, mastigação, respiração e de fala espontânea e em leitura.
Foram considerados respiradores orais aqueles que obtiveram modo respiratório oral e oronasal e apresentaram pelo menos um item em cada tipo de alteração caracterizada pela literatura 22,31,32.
Foram excluídos da casuística aqueles que se encontravam gripados, resfriados ou com obstrução nasal no momento da avaliação.
Quando diagnosticado o quadro inadequado de respiração, os sujeitos foram encaminhados para avaliação e conduta otorrinolaringológica.
Para classificação dos subtipos de TDAH (predominante desatento/Tipo1, predominante hiperativo-impulsivo/Tipo 2 e combinado/Tipo 3) foi aplicado um questionário no momento da anamnese, seguindo os critérios do DSM-IV 5.
Assim, os 77 sujeitos foram classificados em tipos 1, 2 e 3 de diagnósticos de TDAH, presença e ausência de TA e modos respiratórios nasal, oral e oronasal.
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) e aprovado pelo Protocolo nº 195/2005.
A análise foi feita com estatística descritiva apontando, com freqüência absoluta e relativa, a prevalência do gênero, faixa etária, grau escolar e tipo de escola, tipos de TDAH, presença e ausência de TA, modos de respiração, bem como a ocorrência entre as respostas de cada variável. Foram aplicados os seguintes testes estatísticos para verificar possíveis diferenças entre as variáveis levantadas no estudo: Teste de Igualdade de Duas Proporções, Teste de ANOVA, Técnica de Intervalo de Confiança para Proporção e Média. O índice considerado significante foi valor menor ou igual a 5% (p < 0,05).

RESULTADOS
As características dos sujeitos que constituíram a amostra, quanto ao tipo de diagnóstico de TDAH, gênero, faixa etária, escolaridade, tipo de escola, repetências, queixa escolar e respiratória, alergias, tipos de alteração respiratória, tratamentos, alteração de olfato/paladar, amamentação, uso de maus hábitos orais e sinais da SRO, bem como os resultados das avaliações, foram demonstrados nas Figuras 1 a 4.
Ao verificar tipo de TDAH, gênero, faixa etária, grau escolar e tipo de escola, houve diferenças estatisticamente significantes (p< href="http://www.scielo.br/img/revistas/rcefac/v8n4/a05tab1.gif">Tabela 1).
Houve baixa ocorrência de repetências (39%), ocorrendo de uma a três vezes principalmente no 1º Grau (99%) numa população com alta incidência de presença de queixa de dificuldade escolar (87%) na Figura 1.
Quanto à queixa respiratória, foi observada em 51% dos casos a sua presença, sendo a rinite apontada como a principal causa de alteração (74%) em uma população em que mais da metade (66%) não procura tratamento e relata não apresentar alergias (62%), além de grande parte referir que não possui alteração de olfato e paladar (95%) na Figura 1.
Houve alta ocorrência de amamentação (84%) no peito materno com média de sete meses, em que 58,2% foram amamentados de seis meses a quatro anos (média de um ano e meio) e 25,8% amamentados por menos de seis meses (de quinze dias a cinco meses com média de dois meses) na Figura 1.
Dentre a presença de maus hábitos orais relatados (Figura 2), predominaram utilização de mamadeira (84%), chupeta (63%), roer unhas (48%), ranger de dentes (35%) e sucção digital (8%).
A respeito dos sinais da síndrome do respirador oral (SRO), a salivação excessiva foi apontada como sinal mais recorrente (53%), seguida por olheiras (47%), incoordenação pneumofônica (25%) e halitose com 06% (Figura 3).
Com relação aos resultados das avaliações (Figura 4), foram observadas alterações de tonicidade (73%), respiração (71%), leitura (63%), deglutição (62%), exame estrutural (56%) e de postura (54%); normalidade para sucção (100%), mobilidade (82%), fala (73%) e mastigação (70%).
O diagnóstico de Transtornos de Aprendizagem (TA), coletados nos prontuários estava presente em 62,3% dos casos (Figura 4).
Ao analisar as respostas para as perguntas fechadas com variável dicotômica (Sim/Não) (Figura 5) observou-se na associação entre presença e ausência de TA, repetência e dificuldade escolar, maiores percentuais para quem possuía TA com 62,3% (p = 0,002), não repetiu de ano com 61% (p = 0,06) e tinha dificuldade escolar com 87% (p < 0,001).
A análise dos resultados foi feita em duas etapas para as variáveis com mais de dois níveis de resposta, primeiramente mostrando a distribuição proporcional entre todos os níveis e depois comparando p-valores desta associação para determinar se existiu ou não diferença entre eles.
Com relação à respiração (Tabela 2), observou-se alteração em 71,4%, sendo a resposta mais prevalente a respiração oronasal (58,4%), sendo estatisticamente diferente dos percentuais (p < href="http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-18462006000400005&script=sci_arttext&tlng=pt#tab3">Tabela 3).






Ao se relacionar às respostas de presença e ausência de TA e modos de respiração (Figura 6), a resposta mais recorrente foi possuir TA e respiração oronasal (41,6%), sendo esta estatisticamente diferente dos demais percentuais de resposta (p < href="http://www.scielo.br/img/revistas/rcefac/v8n4/a05tab4.gif">Tabela 4.
Comparando os gêneros para cada tipo de TDAH, na Tabela 5, verificou-se para ambos os tipos, que os maiores percentuais são sempre do gênero masculino, tendo diferença estatisticamente significativa (p < 0,001).
Ao comparar a presença/ausência de TA para ambos os gêneros (Tabela 6), verificou-se que os maiores percentuais são sempre de quem possuía TA, existindo diferença estatisticamente significante (p < 0,023/ Feminino e p < 0,021/ Masculino).
Em relação à presença/ausência de TA para cada tipo diagnóstico de TDAH, na Tabela 6, averiguou-se que nos tipos de TDAH existiu diferença significativa entre ter ou não TA e que em ambos os tipos, os maiores percentuais são de sujeitos com TA (p < 0,011/ Tipo 1 e p < 0,049/ Tipo 3).
Para os modos de respiração em função dos gêneros, verificou-se na Figura 7, que em ambos os gêneros, os maiores percentuais foram sempre de respiração oronasal (78% para o gênero feminino e 54% para o masculino) e foram estatisticamente significantes em relação aos demais modos de respiração (p < href="http://www.scielo.br/img/revistas/rcefac/v8n4/a05tab7.gif">Tabela 7.
Ao comparar modos de respiração entre os Tipos de TDAH, na Figura 8, verificamos que em ambos os tipos de TDAH, os maiores percentuais foram de respiração oronasal (64% para Tipo 1 e 55,8% para Tipo 3) e foram estatisticamente significantes em relação aos demais tipos de TDAH (p < href="http://www.scielo.br/img/revistas/rcefac/v8n4/a05tab7.gif">Tabela 7.
Para finalizar, as idades médias foram comparadas entre algumas variáveis, na qual foi utilizado o Teste ANOVA.
Para média das idades, observadas na Tabela 8, entre os tipos diagnósticos de TDAH, houve diferença estatística (p < 0,003) de idade média entre os tipos, sendo os sujeitos do Tipo 1 mais velhos (doze anos) do que os do Tipo 3 (dez anos).



Ao comparar as idades médias para os modos de respiração, embora houvesse diferença na média das idades entre os modos, verificou-se que as diferenças não foram consideradas estatisticamente significantes (Tabela 9).



Averiguou-se que os sujeitos com TA foram em média mais velhos do que quem não possuía, no entanto esta diferença não foi considerada estatisticamente significante na Tabela 10.



Em relação às respostas alterado/normal nas avaliações de postura corporal, exame estrutural, mobilidade, tonicidade e funções com relação aos modos de respiração, os maiores percentuais foram sempre de respiração oronasal, porém não podem ser considerados estatisticamente diferentes do nasal.

DISCUSSÃO
Os dados da caracterização amostral demonstraram consonância com a literatura vigente quando destacam prevalência de TDAH principalmente no gênero masculino 1,3,5-10,12-14,18-20, do subtipo combinado 7,9,13-14,19, na faixa etária de 07 a 13 anos 1,3,5-10,12,18-20, estudantes do primeiro grau 5,16 e freqüentadores de escolas públicas 2,3,5,7,8,19.
Acredita-se que a predominância do gênero masculino em portadores de TDAH justifica-se pela baixa demanda de encaminhamentos do gênero feminino por pais e professores, sendo as meninas menos sintomáticas que os meninos nas idades pré-escolar e escolar 7,10,14,15.
Os subtipos de TDAH, pesquisados em relação aos critérios de classificação do DSM-IV, foram necessários, uma vez que a literatura 1-5,7,9,10 descreve e discute suas sintomatologias e conseqüências, além dos pais serem considerados bons informantes para os critérios diagnósticos deste transtorno 1-3,6,10,12-14.
O estudo verificou taxa de ocorrência elevada do subtipo combinado, seguido pelo predominantemente desatento, e nenhuma ocorrência do predominantemente hiperativo-impulsivo. Tal dado justifica-se pelos sinais de hiperatividade e impulsividade ocorrerem mais freqüentemente em pré-escolares, faixa etária não pesquisada, e diminuírem na adolescência 1,4.
Entre os dois tipos encontrados, há divergências nas pesquisas ao relatar que subtipo apresenta maior incidência; para alguns autores 3,14,16, o subtipo predominantemente desatento é o mais prevalente, diferentemente encontrado pela maioria da literatura e verificado neste estudo 7,9,13-24.
Embora o TDAH predomine numa faixa etária essencialmente infantil, este transtorno poderá persistir de 70% a 85% na adolescência 3,9-12,17, como verificado na amostra, e de 50 a 70% na idade adulta 1,3,4,6,9,10,18 , como verificado na literatura.
Importante mencionar que os sujeitos não portaram somente o TDAH, uma vez que há, freqüentemente, comorbidade com outros transtornos psiquiátricos, amplamente documentados por vários estudos 1,2,4,7,9-13, dos quais se destacam os transtornos disruptivos, do humor, ansiosos, entre outros. Mesmo assim, foram excluídos os transtornos globais do desenvolvimento, como autismo e deficiência mental, entre outras deficiências, que pudessem justificar per se os Transtornos de Aprendizagem.
A alta incidência de presença de queixas de dificuldade escolar também foi constatada 5,7,9,12,15,16,18 e ocorre pela presença de vários fatores de risco cumulativos e multicausais 6,15,17,19,20, como os problemas comportamentais, repercutindo em baixo rendimento escolar, repetências, expulsões, suspensões, baixa auto-estima e sérios problemas de funcionamento social 6,12,16,18,20.
Como o sistema de ensino público brasileiro não reprova mais os alunos em determinadas séries, este fato culminou em um número reduzido de repetências, sendo estas ocorridas de uma a três vezes, principalmente no primeiro grau. Este dado também foi observado por outra pesquisa 20.
O rastreamento de queixas respiratórias tornou-se importante a fim de buscar sintomas e causas que poderiam estar relacionados à respiração oral 22,30. Houve um número significativo, uma vez que este tipo de patologia instala-se facilmente em grandes centros urbanos 23, como em Santo André/SP e regiões circunvizinhas, já que suas alterações são agravadas pela poluição e aumento dos alergênicos.
A rinite foi destacada como a principal causa de dificuldade respiratória e isto também foi constatado por vários estudiosos 22,23,25-27,30-37, sendo ela considerada como uma das etiologias obstrutivas mais freqüentes de vias aéreas na população infantil.
Embora metade da amostra portasse queixas respiratórias, a maioria não buscou tratamento especializado, porque não são estes sintomas que os levam ao atendimento médico, ainda que sejam persistentes e incômodos 22.
Há desconhecimento dos pais e professores por carência de esclarecimentos sobre as conseqüências da respiração oral 26,28,29,31,34,38, geralmente os portadores ou responsáveis procuram ajuda quando têm dificuldade para reverter o quadro inicial destas alterações 38 ou pela dificuldade do rápido acesso pelo atendimento público e especializado 28.
Pelos motivos anteriormente explicitados, fica fácil entender o porquê de mais da metade desconhecer se são portadores de alergias ou grande parte não referir alterações de olfato e paladar, já que estes sinais devem ser pesquisados por estarem presentes em respiradores orais 27,31-33.
A pesquisa sobre a presença e tempo de amamentação materna é importante, visando o período recomendado de seis meses, pois se a mesma for utilizada em menor tempo poderá acarretar alterações morfo-funcionais do sistema sensório motor oral, prejudicando inclusive o sistema respiratório 22,24,28,37 e possibilitando a respiração oral.
Mesmo a maioria recebendo a amamentação materna, altos índices de maus hábitos orais ocorreram; tal dado diverge das pesquisas, que declaram que a amamentação os previne 24,37.
Os maus hábitos mais disseminados foram a mamadeira, seguida por chupeta, ambos de bicos comuns e com tempos médios de quatro anos, seguidos por roer unhas, ranger de dentes e sucção digital com tempo médio de oito anos.
Tais dados entram em consonância com a literatura 22-24,28,32,36,37,39 quando apontam a mamadeirae chupetacomo hábitos orais mais prevalentes e a sucção digital menos prevalente para ocasionar entre outras conseqüências, a alteração respiratória.
Tanto a mamadeira como a chupeta ainda faz parte do cotidiano das crianças e são considerados os hábitos mais importantes a serem diagnosticados e retirados 39.
Interessante comentar que estes hábitos estão difundidos na sociedade por opção dos pais e não por falta de condições de alimentação de outras formas 39, além de conhecerem os malefícios que os mesmos causam, pois as orientações são geralmente tardias e enfocadas apenas nas alterações 40.
Com relação aos maus hábitos de ranger de dentes e roer unhas, as pesquisas referem que estes produzem impactos na respiração, bem como em outras funções, porque interferem na forma da cavidade oral e das posições da mandíbula e dos dentes 25,28,30.
Os sinais mais relatados da SRO foram salivação excessiva 27-29,31,32,35, olheiras 23,30-32,36, incoordenação pneumofonoarticulatória 22,31 e a halitose 27,31,33,36, todos descritos como sendo um conjunto das principais características de um portador de respiração oral.
Com relação aos resultados das avaliações, o predomínio de alterações em metade das avaliações de postura corporal, grande parte dos exames de tonicidade e mais da metade das avaliações da deglutição, se explica por estarem intimamente relacionados com a função de respiração 28,32,34,36,38, sendo esta alterada em grande parte da amostra.
Para estes achados, acredita-se que a postura crânio-cervical em relação à postura corporal tem íntima relação com a respiração e as funções estomatognáticas 27; assim como também a diminuição de oxigenação compromete a nutrição muscular e promove redução do tônus muscular no complexo orofacial e corporal 24,25,28-32,34-36,38.
As normalidades evidenciadas em todas as avaliações de sucção, em grande parte de mastigação, fala e exames de mobilidade supõem que estes resultados foram positivos em função de grande parte ter recebido amamentação natural. Isto contribuiu para que fosse feita a estimulação adequada para a movimentação dos órgãos e especialmente destas funções 22,24,37 .
Diante das coletas dos resultados dos diagnósticos de TA, verificou-se com o apoio da literatura 4,que mais da metade dos casos recebeu a presença deste diagnóstico, uma vez que o TDAH apresenta comorbidade freqüente com estes problemas 18,19, portando alterações fonológicas, semânticas, sintáticas e pragmáticas 4,19, além de alta prevalência de problemas de leitura 4,18, sendo isto também evidenciado neste estudo.
As taxas de prevalência nas pesquisas sobre TA em comorbidade com TDAH variaram de 10 a 25% 1,9,15,17 e chegaram a ter de 20 a 60% 14,18, em que todos declaram que há evidências desta co-ocorrência.
A relação estatisticamente significante entre presença de TA, não repetências e presença de queixas de dificuldade escolar é, ao mesmo tempo preocupante e animadora, pelo fato destas queixas predizerem ou confirmarem tal diagnóstico comorbidável.
Tal dado pretende alertar primordialmente o sistema educacional público e os profissionais de saúde, para que ofereçam a prevenção de comportamentos cumulativos desviantes que poderão persistir ao passar dos anos e assim se estenderem na adolescência e na idade adulta.
A ocorrência de presença de respiração alterada do tipo mista ou oronasal também foi relatada 27,30,31,34,35,38 e significativamente comprovada. Tal dado surge numa população de risco para portar alterações respiratórias, em que metade referiu queixas respiratórias, mas não procura atendimento, além de apresentarem hábitos orais inadequados e alguns sinais da SRO.
A ocorrência estatisticamente significante para aqueles que possuíam TA e respiração oronasal é possivelmente explicada pela hipoxemia (baixa oxigenação cerebral) que leva ao cansaço mental e baixa produtividade escolar ou por resultado de alterações do sono, que levam à sonolência diurna e a dificuldade de atenção e concentração necessárias para a aprendizagem 22,24-30,32,35 .
A maioria das pesquisas 22,24-28,30,35 abordam esta correlação pelo seu produto, baixo rendimento escolar ou dificuldades de aprendizagem, por razões já comentadas, além dos portadores apresentarem dificuldades específicas de linguagem oral 22 e lentidão na aquisição de leitura e escrita 24.
Como os respiradores orais com Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono possuem alterações comportamentais semelhantes àqueles observados em crianças com TDAH, seria interessante que futuras pesquisas englobassem dados sobre a qualidade de sono e o ronco noturno, uma vez que estes sintomas diferenciam as causas de problemas de disciplina e do aprendizado 22,26. Desta forma, o correto diagnóstico e o tratamento precoce poderão reverter às dificuldades escolares e de indisciplina.
A alta significância estatística do gênero masculino para ambos os subtipos de TDAH pode resultar pelo fato deste transtorno ocorrer mais em meninos 1,3,5-10,12-14,18-20, no entanto diverge da literatura quando aponta o subtipo predominantemente desatento sendo relatado em alguns estudos como mais freqüente no gênero feminino 1,14-16,19.
A alta significância estatística para quem possuiu TA independente do gênero, também foi obtida 3; porém independente do tipo de TDAH, diverge da literatura, em que refere diferença de desempenhos em função dos subtipos de TDAH pelos critérios do DSM-IV 1,2,4,7,9,14-16,20.
Para alguns, o pior desempenho acadêmico seria para o subtipo sem hiperatividade (desatento) 2,4,9,16,20, outros já indicam ambos os subtipos, desatento e combinado, como tendo taxas mais elevadas de prejuízo acadêmico 1,14,15, porém sendo o subtipo combinado com maior prejuízo global e quadro mais severo de comorbidades em relação aos outros dois 1,7.
Assim, este estudo reforça o TDAH como forte preditor de baixo desempenho escolar com alterações de linguagem, cálculos matemáticos e habilidades de leitura/escrita, sem receber influências de gênero ou subtipos.
A alta significância estatística para quem possuiu a respiração oronasal independente do gênero diverge de outros trabalhos, quando apontam associação entre respiração alterada mais frequentemente em meninos 25,26,36, no entanto, concorda com outros, quando possuiu respiração oronasal independente do tipo de TDAH, já que o mau desempenho escolar é freqüente em respiradores orais 22,24-30,32,35.
Com relação aos tipos diagnósticos de TDAH, não houve dados literários que pudessem correlacionar aos modos respiratórios oral e oronasal, porém a desatenção é vista como fator de maior interferência no desempenho escolar 4,9,14,16,18,20 e a hiperatividade como de problemas disciplinares 9,16,18.
Assim, ressalta-se a importância de novas pesquisas ao verificarem a ocorrência de modos de respiração, principalmente na população de crianças e adolescentes com TDAH, uma vez que a respiração alterada promove repercussões bastante distintas para estes casos.
A respeito das idades médias entre os tipos de TDAH, demonstrou que as crianças do subtipo predominantemente desatento foram significantemente mais velhas do que as do combinado, tendo alguns estudiosos os mesmos achados 7. Isto ocorre, porque o subtipo combinado possui altos índices de problemas identificados por pais e professores do que o subtipo predominantemente desatento, sendo este menos identificado, uma vez que é mais tolerado socialmente 16.
As idades médias para os modos respiratórios não apresenta ram significância estatística, uma vez que a respiração alterada pode-se instalar em qualquer idade.
As idades médias para quem possuía ou não TA não apresentaram significância estatística, porém indicaram idade média mais elevada naqueles que possuíam tal diagnóstico, já que os TA persistem desde os atrasos de aquisição e de desenvolvimento de fala e linguagem e são diagnosticados a partir da idade escolar.
Não houve significância estatística para as respostas normais e alteradas nas avaliações de postura corporal, exame estrutural, mobilidade, tonicidade de órgãos e avaliações das funções em relação aos modos respiratórios, mesmo ocorrendo grande percentual de respiração oronasal e correlação entre as pesquisas sobre o impacto que a respiração alterada causa nestes aspectos 28,32,34,36,38.
Os dados coletados na presente pesquisa apontam para a importância de obter história clínica detalhada e avaliação completa de sujeitos com TDAH, em vários aspectos culturais, psicológicos, sociais, lingüísticos, educacionais, emocionais, neurológicos, respiratórios, entre outros, para assim promover o bem estar físico e emocional destes, além de garantir redução de riscos cumulativos de alterações, já que tal transtorno pode persistir na adolescência e idade adulta com altas taxas de comorbidade com outros transtornos.

CONCLUSÃO
Pelos dados coletados, é possível concluir que na amostra estudada, o TDAH é uma disfunção neurológica que acomete preferencialmente meninos entre os 7 aos 13 anos de idade, do tipo 3 (combinado) com alta prevalência e comorbidade com os Transtornos de Aprendizagem em associação à respiração oronasal.
A queixa presente de dificuldade escolar apresentou correlação com os Transtornos de Aprendizagem.
Comprovou-se neste estudo a associação entre TDAH, baixo rendimento escolar e a presença de respiração oronasal em crianças e adolescentes devido à alta presença de comorbidade com Transtornos de Aprendizagem, independente do gênero, idade ou tipo de diagnóstico de TDAH.

AGRADECIMENTO
À Profa. Dra. Márcia Regina Marcondes Pedromônico, in memorian.

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Recebido em: 20/08/2006 Aceito em: 18/10/06


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