terça-feira, 28 de julho de 2009

Transtornos de Défcit de Atenção/Hiperatividade (T.D.A.H): Atualização Clínica

Um dos grandes problemas que nossas escolas vêm
enfrentando nos dias de hoje é a administração dos
conflitos surgidos com alunos portadores de
Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade
(TDAH). Mas o que é isto?
O TDAH manifesta-se através das características
centrais da hiperatividade, do distúrbio de atenção
(ou concentração), da impulsividade e da agitação.
Como conseqüência destes sintomas surgem
muitas vezes outros graves problemas como
distúrbios emocionais e dissociais de aprendizagem
e aproveitamento.
De acordo com o DSM-IV-TR (2003), este
transtorno é assim definido:
Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que
causam prejuízo devem ter estado presentes antes
dos 7 anos, mas muitos indivíduos são
diagnosticados depois, após a presença dos
sintomas por alguns anos. Algum prejuízo devido
aos sintomas deve estar presente em pelo menos
dois contextos (por ex., em casa e na escola ou
trabalho). Deve haver claras evidências de
interferência no funcionamento social,
acadêmico ou ocupacional apropriado em
termos evolutivos. A perturbação não ocorre
exclusivamente durante o curso de um
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento,
Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e
não é mais bem explicada por um outro
transtorno mental (por ex., Transtorno do
Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno
Dissociativo ou Transtorno da Personalidade).
Os indivíduos com este transtorno podem não
prestar muita atenção a detalhes ou podem
cometer erros por falta de cuidados nos
trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho
freqüentemente é confuso e realizado sem
meticulosidade nem consideração adequada. Os
indivíduos com freqüência têm dificuldade para
manter a atenção em tarefas ou atividades
lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas
até seu término. Eles freqüentemente dão a
impressão de estarem com a mente em outro
local, ou de não escutarem o que recém foi
dito... Os indivíduos diagnosticados com este
transtorno podem iniciar uma tarefa, passar para
outra, depois voltar a atenção para outra coisa
antes de completarem qualquer uma de suas
incumbências. Eles freqüentemente não
atendem a solicitações ou instruções e não
conseguem completar o trabalho escolar, tarefas
domésticas ou outros deveres”. O fracasso para
completar tarefas deve ser considerado, ao fazer
o diagnóstico, apenas se ele for devido à
desatenção, ao invés de outras possíveis razões
(por ex., um fracasso para compreender
instruções)... As tarefas que exigem um esforço
mental constante são vivenciadas como
desagradáveis e acentuadamente aversivas. Por
conseguinte, esses indivíduos em geral evitam
ou têm forte antipatia por atividades que
exigem dedicação ou esforço mental
prolongados ou que exigem organização ou
concentração (por ex., trabalhos escolares ou
burocráticos). .. Os hábitos de trabalho
freqüentemente são desorganizados e os
materiais necessários para a realização da tarefa
com freqüência são espalhados, perdidos ou
manuseados com descuido e danificados. Os
indivíduos com este transtorno são facilmente
distraídos por estímulos irrelevantes e
habitualmente inter-rompem tarefas em
andamento para dar atenção a ruídos ou eventos
triviais que em geral são facilmente ignorados
por outros (por ex., a buzina de um automóvel,
uma conversa ao fundo). Eles freqüentemente se
esquecem de coisas nas atividades diárias (por
ex., faltar a compromissos marcados, esquecer de
levar o lanche para o trabalho ou a escola). Nas
situações sociais, a desatenção pode manifestarse
por freqüentes mudanças de assunto, falta de
atenção ao que os outros dizem, distração durante
as conversas e falta de atenção a detalhes ou
regras em jogos ou atividades.
Em adolescentes e adultos, os sintomas de
hiperatividade assumem a forma de sensações de
inquietação e dificuldade para envolver-se em
atividades tranqüilas e sedentárias.
As manifestações comportamentais geralmente
aparecem em múltiplos contextos, incluindo a
própria casa, a escola, o trabalho ou situações
sociais... Os sinais do transtorno podem ser
mínimos ou estarem ausentes quando o indivíduo
se encontra sob um controle rígido, está em um
contexto novo, está envolvido em atividades
especialmente interessantes, em uma situação a
dois (por ex., no consultório do médico) ou
enquanto recebe recompensas freqüentes por um
comportamento apropriado (p. 112-113).
Epidemiologia
Segundo Facion (1991), estudos transculturais nos
E.U.A., Alemanha, Nova Zelândia e Uganda
comprovam que a hiperatividade não representa um
produto da civilização ocidental. Portanto, os
sintomas do T.D.A.H. são aparentemente
independentes do tempo e da cultura.
Dados de prevalência encontram-se na literatura,
exclusivamente referentes à amostragem entre os
alunos de escolas. Nos E.U.A. são indicados 3 a
15%, na Alemanha cerca de 9% da população
escolar.
Este transtorno é muito mais freqüente no sexo
masculino, com as razões masculino-feminino sendo
de 4:1 a 9:1. Estas oscilações são resultados tanto de
problemas de classificação como de definições de
casos escolares de pesquisas singulares. No Brasil
não temos conhecimento de nenhum levantamento
sistemático realizado sobre este transtorno (Facion,
ibidem).
Etiologia
Não se conhece ainda as causas do T.D.A.H.. Na
maioria dos casos não se observa evidências de
amplas lesões estruturais ou doenças no sistema
nervoso central.
Há uma série de hipóteses relacionadas com este
transtorno. São elas:
a) Defeitos orgânico-cerebrais: Aqui se supõe um
distúrbio da função do cérebro na primeira infância
provocada por uma lesão pré, peri ou pós-natal no
Sistema Nervoso Central. Esta poderia ter sido
causada por problemas circulatórios, tóxicos,
metabólicos etc., ou por stress e problemas físicos
no cérebro durante a primeira infância, causados
por infecção, inflamação e traumatismos. Muitas
vezes são sinais bem sutis e subclínicos.
Porém não se sabe bem ainda sobre a total validade
desta correlação, visto que os fatores de risco estão
presentes em outros distúrbios diferentes, além de
nem todas as crianças portadoras deste transtorno,
terem sido vítimas destes fatores de risco.
Os mecanismos exatos pelos quais se desenvolve
um transtorno de várias funções dos centros
nervosos são ainda desconhecidos. Os
Eletroencefalogramas (EEGs) e as Imagens por
Ressonância Magnética (IRM) ou as Tomografias
Computadorizadas (TCs), não reconhecem ainda os
indícios para diagnósticos específicos, ou seja, para
a identificação do transtorno.
Supondo-se uma causa orgânica, reuniu-se uma
série de itens de anomalias físicas, chamadas
“minor”, anomalias estas muitas vezes, mas não
somente, que podem ser observadas em crianças
com T.D.A.H.
b) Fatores Neuroquímicos: Através de experiências
clínicas com uso de estimulantes (anfetaminas,
entre outros) ou drogas tricíclicas (como por ex., a
desipramina), pode-se conseguir resultados
terapêuticos evidentes em crianças hiperativas. Por
isto, supõe-se uma ação desequilibrada dos centros
excitatórios e inibidores do Sistema Nervoso
Central, causada por distúrbios no metabolismo de
aminoácidos e dos neurotransmissores:
noradrenalina, serotonina e dopamina. Na realidade
não existem evidências claras implicando um único
neurotransmissor no desenvolvimento do T.D.A.H.
Muitos neurotransmissores podem estar envolvidos
no processo.
c) Fatores genéticos: Investigações com familiares e
gêmeos de crianças com T.D.A.H. indicaram uma
alta correlação hereditária das crianças atingidas
(Rohde e Benczik, 1999). No caso de famílias com
mais de um hiperativo, foram encontrados
alcoolismo e distúrbios sociopatas nos pais e
distúrbios histéricos nas mães. Em conseqüência
disto é suposto aqui uma sucessão poligenética
(Facion, 1991).
Outros estudos também sugerem que existe uma
prevalência superior de Transtornos do Humor, e de
Ansiedade, Transtorno da Aprendizagem,
Transtornos Relacionados a Substâncias e
Transtorno da Personalidade Anti-Social nos
membros das famílias de indivíduos com o T.D.A.H.
(Barkley, 1995).
d) Fatores alergênicos: Incentivado por observações
de casos clínicos isolados, há alguns anos, nos países
anglo-americanos, discute-se a possibilidade de que
este transtorno seja causado por determinados
ingredientes presentes nos alimentos. Muitos estudos
respectivos ocupam-se com os efeitos de salicítricos
e de fosfatos na alimentação, dentre eles a Liga
Antiphosfato, uma Organização não Governamental
sediada em Hamburgo, na Alemanha. Esta
organização faz experimentos há vários anos com
crianças portadoras do T.D.A.H. usando a dieta livre
de fosfato. De acordo com os relatos e materiais
informativos (folders e boletins) divulgados pelos
profissionais que nela atuam os resultados, em
vários casos, são bastante promissores.
Entretanto, as altas expectativas iniciais aqui
apresentadas não puderam ser confirmadas. A
chamada dieta de fosfato mostrou-se como eficaz
somente no caso de certas crianças e somente sob
certas condições.
Curso e Prognóstico
O T.D.A.H. é geralmente diagnosticado quando a
criança começa a freqüentar a escola ainda que os
sintomas já estejam presentes antes disto. Os
principais sintomas podem persistir na adolescência
e até na vida adulta. É, em alguns casos, comum
observar uma remissão na puberdade e sendo ainda
mais comum na juventude. Esta remissão pode
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Revista de Psicologia da UnC, vol. 1, n. 2, p. 54-58
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permitir uma vida adolescente ou adulta mais
produtiva, relacionamentos interpessoais
gratificantes e poucas seqüelas significativas. A
maioria destas pessoas, entretanto, apresentam uma
remissão somente parcial e podem ficar bastante
vulneráveis ao distúrbio da personalidade antisocial
e a outros distúrbios da personalidade e do
humor.
De acordo com Kaplan, Sadock & Grebb (2002),
em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas
persistem na vida adulta. Ainda que a
hiperatividade apresente uma melhora, os
indivíduos podem apresentar uma impulsividade,
estando propensos a acidentes. Observa-se também
que as famílias destes, normalmente, estão
estruturadas de uma forma caótica.
Tratamento
Atualmente as terapias que apresentam melhores
resultados nos casos de T.D.A.H. são:
a) Farmacológica: As alternativas farmacológicas
para o tratamento das pessoas portadoras deste
transtorno podem ser divididas em 3 grupos:
1. Psicoestimulantes (anfetamínicos, metilfenidatos
e pemolinos),
2. Neurolépticos,
3. Antidepressivos tricíclicos.
Especialmente no tratamento com estimulantes, o
controle motor e a capacidade de atenção puderam
ser positivamente influenciados (Kaplan, Sadock &
Grebb, 2002). Entretanto, a medicação parece ser
útil apenas nos casos em que a manifestação do
transtorno tem como sintomas cardiais a
impulsividade, inquietação motora e distúrbios de
atenção. Nas formas do transtorno, nos quais
predominam um comportamento anti-social ou
agressivo, ou distúrbios de capacidade
parcializada, esses grupos farmacológicos não são
indicados devido ao seu efeito insuficiente e
possibilidade de efeitos colaterais.
b) Tratamento Dietético: Baseado nos princípios
já citados nas hipóteses etiológicas, que
consideram os fosfatos alimentícios, ingredientes
artificiais de sabor, conservantes e corantes nos
alimentos como fatores, senão causadores,
reforçadores destes transtornos. Sendo assim, são
elaborados planos de dieta livres destas substâncias.
Observa-se em vários casos – principalmente
quando se trata de crianças que mantêm um nível de
inteligência e capacidades acadêmicas dentro dos
padrões da normalidade – uma melhora significativa
tanto no comportamento quanto na organização da
escrita e da leitura.
Contudo, os resultados destas pesquisas e
experiências não são suficientes para a comprovação
das hipóteses, pois, em outros casos, este
procedimento não tem demonstrado resultado
algum.
c) Princípios Psicoterapêuticos: Duas modalidades
psicoterapêuticas têm demonstrado alguns avanços
no tratamento de pessoas com T.D.A.H.:
1. Psicoterapia e Medicina Comportamental:
fundamentado e orientado nos princípios da teoria
behaviorista de reforço, os indivíduos são
“recompensados” regularmente quando permanecem
realizando uma atividade por um determinado
período de tempo (que inicialmente pode ser
limitado e, posteriormente, sucessivamente
aumentado). A recompensa realiza-se através de
atitudes carinhosas, afetuosas acompanhadas de
elogios. De maneira semelhante, outras formas de
comportamento, como controle motor podem ser
reforçados sistematicamente, integrando, deste
modo, o repertório de comportamento dos pacientes.
O objetivo central desta modalidade é treinar o
indivíduo a exercer um controle sobre os seus
próprios comportamentos.
2. Treinos de auto-instrução: Este treino, uma
adaptação do modelo proposto por Meichenbaum
(1979), executa-se em três etapas:
2.1 A criança observa o pedagogo (a professora)
realizando determinado trabalho, com calma e
concentração (por ex., faz um desenho),
comentando em voz alta suas atividades (“eu
pinto agora devagar esse canto”).
2.2 A criança é solicitada para efetuar a tarefa
observada e verbalizá-la em voz alta da mesma
maneira que a professora.
2.3 As auto-instruções faladas em voz alta são
substituídas pela tonalidade de voz cada vez
mais reduzida, até que a criança seja capaz de
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estruturar sua atividade verbal em nível de
pensamento.
A orientação familiar assim como as modalidades
de modificações de comportamento são sempre
necessárias. A estruturação do ambiente, a
organização do ciclo circadiano e a educação com
limites podem ajudar a diminuir o nível de
ansiedade e desorganização da pessoa com
T.D.A.H.. Sendo assim, os pais, professoras e
profissionais da saúde mental devem estabelecer
uma estrutura de relacionamento organizada,
previsível de recompensas e punições
(procedimento explicado por Caballo, 1996). Os
familiares devem ser orientados no sentido de
compreender que a permissividade, a compaixão, a
falta de limites não são úteis para a criança. Elas não
se beneficiam por serem dispensadas das exigências,
expectativas e planejamentos da vida diária de
qualquer outro indivíduo.
Estes procedimentos são especialmente adequados
para contribuir com o desenvolvimento do potencial
de atenção e concentração, estimulando o aumento
geral dos resultados. Com tudo isto pode-se diminuir
o grau de sofrimento tanto da criança como das
pessoas que convivem com ela no dia a dia.
Referências Bibliográficas
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aprendizagem escolar. Artes Médicas, Porto Alegre (3a. Ed.).
Rohde, L. A. & Benczik, E. B. P. (1999) Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. O que é?
Como Ajudar? Porto Alegre: Artmed Editora.
Recebido em: 2/10/2003
Aceito em: 2/03/2004

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