terça-feira, 28 de julho de 2009

Transtornos de Défcit de Atenção/Hiperatividade (T.D.A.H): Atualização Clínica

Um dos grandes problemas que nossas escolas vêm
enfrentando nos dias de hoje é a administração dos
conflitos surgidos com alunos portadores de
Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade
(TDAH). Mas o que é isto?
O TDAH manifesta-se através das características
centrais da hiperatividade, do distúrbio de atenção
(ou concentração), da impulsividade e da agitação.
Como conseqüência destes sintomas surgem
muitas vezes outros graves problemas como
distúrbios emocionais e dissociais de aprendizagem
e aproveitamento.
De acordo com o DSM-IV-TR (2003), este
transtorno é assim definido:
Alguns sintomas hiperativo-impulsivos que
causam prejuízo devem ter estado presentes antes
dos 7 anos, mas muitos indivíduos são
diagnosticados depois, após a presença dos
sintomas por alguns anos. Algum prejuízo devido
aos sintomas deve estar presente em pelo menos
dois contextos (por ex., em casa e na escola ou
trabalho). Deve haver claras evidências de
interferência no funcionamento social,
acadêmico ou ocupacional apropriado em
termos evolutivos. A perturbação não ocorre
exclusivamente durante o curso de um
Transtorno Invasivo do Desenvolvimento,
Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e
não é mais bem explicada por um outro
transtorno mental (por ex., Transtorno do
Humor, Transtorno de Ansiedade, Transtorno
Dissociativo ou Transtorno da Personalidade).
Os indivíduos com este transtorno podem não
prestar muita atenção a detalhes ou podem
cometer erros por falta de cuidados nos
trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho
freqüentemente é confuso e realizado sem
meticulosidade nem consideração adequada. Os
indivíduos com freqüência têm dificuldade para
manter a atenção em tarefas ou atividades
lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas
até seu término. Eles freqüentemente dão a
impressão de estarem com a mente em outro
local, ou de não escutarem o que recém foi
dito... Os indivíduos diagnosticados com este
transtorno podem iniciar uma tarefa, passar para
outra, depois voltar a atenção para outra coisa
antes de completarem qualquer uma de suas
incumbências. Eles freqüentemente não
atendem a solicitações ou instruções e não
conseguem completar o trabalho escolar, tarefas
domésticas ou outros deveres”. O fracasso para
completar tarefas deve ser considerado, ao fazer
o diagnóstico, apenas se ele for devido à
desatenção, ao invés de outras possíveis razões
(por ex., um fracasso para compreender
instruções)... As tarefas que exigem um esforço
mental constante são vivenciadas como
desagradáveis e acentuadamente aversivas. Por
conseguinte, esses indivíduos em geral evitam
ou têm forte antipatia por atividades que
exigem dedicação ou esforço mental
prolongados ou que exigem organização ou
concentração (por ex., trabalhos escolares ou
burocráticos). .. Os hábitos de trabalho
freqüentemente são desorganizados e os
materiais necessários para a realização da tarefa
com freqüência são espalhados, perdidos ou
manuseados com descuido e danificados. Os
indivíduos com este transtorno são facilmente
distraídos por estímulos irrelevantes e
habitualmente inter-rompem tarefas em
andamento para dar atenção a ruídos ou eventos
triviais que em geral são facilmente ignorados
por outros (por ex., a buzina de um automóvel,
uma conversa ao fundo). Eles freqüentemente se
esquecem de coisas nas atividades diárias (por
ex., faltar a compromissos marcados, esquecer de
levar o lanche para o trabalho ou a escola). Nas
situações sociais, a desatenção pode manifestarse
por freqüentes mudanças de assunto, falta de
atenção ao que os outros dizem, distração durante
as conversas e falta de atenção a detalhes ou
regras em jogos ou atividades.
Em adolescentes e adultos, os sintomas de
hiperatividade assumem a forma de sensações de
inquietação e dificuldade para envolver-se em
atividades tranqüilas e sedentárias.
As manifestações comportamentais geralmente
aparecem em múltiplos contextos, incluindo a
própria casa, a escola, o trabalho ou situações
sociais... Os sinais do transtorno podem ser
mínimos ou estarem ausentes quando o indivíduo
se encontra sob um controle rígido, está em um
contexto novo, está envolvido em atividades
especialmente interessantes, em uma situação a
dois (por ex., no consultório do médico) ou
enquanto recebe recompensas freqüentes por um
comportamento apropriado (p. 112-113).
Epidemiologia
Segundo Facion (1991), estudos transculturais nos
E.U.A., Alemanha, Nova Zelândia e Uganda
comprovam que a hiperatividade não representa um
produto da civilização ocidental. Portanto, os
sintomas do T.D.A.H. são aparentemente
independentes do tempo e da cultura.
Dados de prevalência encontram-se na literatura,
exclusivamente referentes à amostragem entre os
alunos de escolas. Nos E.U.A. são indicados 3 a
15%, na Alemanha cerca de 9% da população
escolar.
Este transtorno é muito mais freqüente no sexo
masculino, com as razões masculino-feminino sendo
de 4:1 a 9:1. Estas oscilações são resultados tanto de
problemas de classificação como de definições de
casos escolares de pesquisas singulares. No Brasil
não temos conhecimento de nenhum levantamento
sistemático realizado sobre este transtorno (Facion,
ibidem).
Etiologia
Não se conhece ainda as causas do T.D.A.H.. Na
maioria dos casos não se observa evidências de
amplas lesões estruturais ou doenças no sistema
nervoso central.
Há uma série de hipóteses relacionadas com este
transtorno. São elas:
a) Defeitos orgânico-cerebrais: Aqui se supõe um
distúrbio da função do cérebro na primeira infância
provocada por uma lesão pré, peri ou pós-natal no
Sistema Nervoso Central. Esta poderia ter sido
causada por problemas circulatórios, tóxicos,
metabólicos etc., ou por stress e problemas físicos
no cérebro durante a primeira infância, causados
por infecção, inflamação e traumatismos. Muitas
vezes são sinais bem sutis e subclínicos.
Porém não se sabe bem ainda sobre a total validade
desta correlação, visto que os fatores de risco estão
presentes em outros distúrbios diferentes, além de
nem todas as crianças portadoras deste transtorno,
terem sido vítimas destes fatores de risco.
Os mecanismos exatos pelos quais se desenvolve
um transtorno de várias funções dos centros
nervosos são ainda desconhecidos. Os
Eletroencefalogramas (EEGs) e as Imagens por
Ressonância Magnética (IRM) ou as Tomografias
Computadorizadas (TCs), não reconhecem ainda os
indícios para diagnósticos específicos, ou seja, para
a identificação do transtorno.
Supondo-se uma causa orgânica, reuniu-se uma
série de itens de anomalias físicas, chamadas
“minor”, anomalias estas muitas vezes, mas não
somente, que podem ser observadas em crianças
com T.D.A.H.
b) Fatores Neuroquímicos: Através de experiências
clínicas com uso de estimulantes (anfetaminas,
entre outros) ou drogas tricíclicas (como por ex., a
desipramina), pode-se conseguir resultados
terapêuticos evidentes em crianças hiperativas. Por
isto, supõe-se uma ação desequilibrada dos centros
excitatórios e inibidores do Sistema Nervoso
Central, causada por distúrbios no metabolismo de
aminoácidos e dos neurotransmissores:
noradrenalina, serotonina e dopamina. Na realidade
não existem evidências claras implicando um único
neurotransmissor no desenvolvimento do T.D.A.H.
Muitos neurotransmissores podem estar envolvidos
no processo.
c) Fatores genéticos: Investigações com familiares e
gêmeos de crianças com T.D.A.H. indicaram uma
alta correlação hereditária das crianças atingidas
(Rohde e Benczik, 1999). No caso de famílias com
mais de um hiperativo, foram encontrados
alcoolismo e distúrbios sociopatas nos pais e
distúrbios histéricos nas mães. Em conseqüência
disto é suposto aqui uma sucessão poligenética
(Facion, 1991).
Outros estudos também sugerem que existe uma
prevalência superior de Transtornos do Humor, e de
Ansiedade, Transtorno da Aprendizagem,
Transtornos Relacionados a Substâncias e
Transtorno da Personalidade Anti-Social nos
membros das famílias de indivíduos com o T.D.A.H.
(Barkley, 1995).
d) Fatores alergênicos: Incentivado por observações
de casos clínicos isolados, há alguns anos, nos países
anglo-americanos, discute-se a possibilidade de que
este transtorno seja causado por determinados
ingredientes presentes nos alimentos. Muitos estudos
respectivos ocupam-se com os efeitos de salicítricos
e de fosfatos na alimentação, dentre eles a Liga
Antiphosfato, uma Organização não Governamental
sediada em Hamburgo, na Alemanha. Esta
organização faz experimentos há vários anos com
crianças portadoras do T.D.A.H. usando a dieta livre
de fosfato. De acordo com os relatos e materiais
informativos (folders e boletins) divulgados pelos
profissionais que nela atuam os resultados, em
vários casos, são bastante promissores.
Entretanto, as altas expectativas iniciais aqui
apresentadas não puderam ser confirmadas. A
chamada dieta de fosfato mostrou-se como eficaz
somente no caso de certas crianças e somente sob
certas condições.
Curso e Prognóstico
O T.D.A.H. é geralmente diagnosticado quando a
criança começa a freqüentar a escola ainda que os
sintomas já estejam presentes antes disto. Os
principais sintomas podem persistir na adolescência
e até na vida adulta. É, em alguns casos, comum
observar uma remissão na puberdade e sendo ainda
mais comum na juventude. Esta remissão pode
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Revista de Psicologia da UnC, vol. 1, n. 2, p. 54-58
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permitir uma vida adolescente ou adulta mais
produtiva, relacionamentos interpessoais
gratificantes e poucas seqüelas significativas. A
maioria destas pessoas, entretanto, apresentam uma
remissão somente parcial e podem ficar bastante
vulneráveis ao distúrbio da personalidade antisocial
e a outros distúrbios da personalidade e do
humor.
De acordo com Kaplan, Sadock & Grebb (2002),
em cerca de 15 a 20% dos casos, os sintomas
persistem na vida adulta. Ainda que a
hiperatividade apresente uma melhora, os
indivíduos podem apresentar uma impulsividade,
estando propensos a acidentes. Observa-se também
que as famílias destes, normalmente, estão
estruturadas de uma forma caótica.
Tratamento
Atualmente as terapias que apresentam melhores
resultados nos casos de T.D.A.H. são:
a) Farmacológica: As alternativas farmacológicas
para o tratamento das pessoas portadoras deste
transtorno podem ser divididas em 3 grupos:
1. Psicoestimulantes (anfetamínicos, metilfenidatos
e pemolinos),
2. Neurolépticos,
3. Antidepressivos tricíclicos.
Especialmente no tratamento com estimulantes, o
controle motor e a capacidade de atenção puderam
ser positivamente influenciados (Kaplan, Sadock &
Grebb, 2002). Entretanto, a medicação parece ser
útil apenas nos casos em que a manifestação do
transtorno tem como sintomas cardiais a
impulsividade, inquietação motora e distúrbios de
atenção. Nas formas do transtorno, nos quais
predominam um comportamento anti-social ou
agressivo, ou distúrbios de capacidade
parcializada, esses grupos farmacológicos não são
indicados devido ao seu efeito insuficiente e
possibilidade de efeitos colaterais.
b) Tratamento Dietético: Baseado nos princípios
já citados nas hipóteses etiológicas, que
consideram os fosfatos alimentícios, ingredientes
artificiais de sabor, conservantes e corantes nos
alimentos como fatores, senão causadores,
reforçadores destes transtornos. Sendo assim, são
elaborados planos de dieta livres destas substâncias.
Observa-se em vários casos – principalmente
quando se trata de crianças que mantêm um nível de
inteligência e capacidades acadêmicas dentro dos
padrões da normalidade – uma melhora significativa
tanto no comportamento quanto na organização da
escrita e da leitura.
Contudo, os resultados destas pesquisas e
experiências não são suficientes para a comprovação
das hipóteses, pois, em outros casos, este
procedimento não tem demonstrado resultado
algum.
c) Princípios Psicoterapêuticos: Duas modalidades
psicoterapêuticas têm demonstrado alguns avanços
no tratamento de pessoas com T.D.A.H.:
1. Psicoterapia e Medicina Comportamental:
fundamentado e orientado nos princípios da teoria
behaviorista de reforço, os indivíduos são
“recompensados” regularmente quando permanecem
realizando uma atividade por um determinado
período de tempo (que inicialmente pode ser
limitado e, posteriormente, sucessivamente
aumentado). A recompensa realiza-se através de
atitudes carinhosas, afetuosas acompanhadas de
elogios. De maneira semelhante, outras formas de
comportamento, como controle motor podem ser
reforçados sistematicamente, integrando, deste
modo, o repertório de comportamento dos pacientes.
O objetivo central desta modalidade é treinar o
indivíduo a exercer um controle sobre os seus
próprios comportamentos.
2. Treinos de auto-instrução: Este treino, uma
adaptação do modelo proposto por Meichenbaum
(1979), executa-se em três etapas:
2.1 A criança observa o pedagogo (a professora)
realizando determinado trabalho, com calma e
concentração (por ex., faz um desenho),
comentando em voz alta suas atividades (“eu
pinto agora devagar esse canto”).
2.2 A criança é solicitada para efetuar a tarefa
observada e verbalizá-la em voz alta da mesma
maneira que a professora.
2.3 As auto-instruções faladas em voz alta são
substituídas pela tonalidade de voz cada vez
mais reduzida, até que a criança seja capaz de
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estruturar sua atividade verbal em nível de
pensamento.
A orientação familiar assim como as modalidades
de modificações de comportamento são sempre
necessárias. A estruturação do ambiente, a
organização do ciclo circadiano e a educação com
limites podem ajudar a diminuir o nível de
ansiedade e desorganização da pessoa com
T.D.A.H.. Sendo assim, os pais, professoras e
profissionais da saúde mental devem estabelecer
uma estrutura de relacionamento organizada,
previsível de recompensas e punições
(procedimento explicado por Caballo, 1996). Os
familiares devem ser orientados no sentido de
compreender que a permissividade, a compaixão, a
falta de limites não são úteis para a criança. Elas não
se beneficiam por serem dispensadas das exigências,
expectativas e planejamentos da vida diária de
qualquer outro indivíduo.
Estes procedimentos são especialmente adequados
para contribuir com o desenvolvimento do potencial
de atenção e concentração, estimulando o aumento
geral dos resultados. Com tudo isto pode-se diminuir
o grau de sofrimento tanto da criança como das
pessoas que convivem com ela no dia a dia.
Referências Bibliográficas
American Psychiatric Association (2003) Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais -
DSM IV - TR, Porto Alegre: Artmed Editora (4a. ed).
Barkley, A. R. Taking charge of ADHD. (1995) The complete, authoitative guide for parents. Nova
York: The Guilford Press.
Caballo, V. (1996) Manual de Técnicas de Terapias e Modificação do Comportamento. São Paulo: Ed.
Santos.
Facion, J.R. (1991). Síndrome de Hipercinese: Uma revisão bibliográfica. In: Psicologia Argumento,
Ano IV, No. X, PUC Paraná, p. 07-24.
Holmes, D.S. (1997) Transtornos da primeira infância e da adolescência. Em: Psicologia dos
transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas.
Knapp, P. & Rohde, L. A. & LyszkowskI, L. & Johannpeter, J.. (2002) Terapia Cognitivo-
Comportamental no Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. Manual do Terapeuta. Porto
Alegre: Artmed Editora.
Kaplan, H. I. & Sadock, B.J. & Grebb, J. A..(2002). Transtorno de Déficit de Atenção. Porto Alegre:
ArtMed Editora.
Meichenbaum, D. (1979) Kognitive Verhaltensmodifikation. München: U. & S..
Rivière, A. (1997) O Desenvolvimento e a educação da criança autista. In: Palacios, César Coll &
Marchesi, Jesús Álvaro (Orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades Educativas e
aprendizagem escolar. Artes Médicas, Porto Alegre (3a. Ed.).
Rohde, L. A. & Benczik, E. B. P. (1999) Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. O que é?
Como Ajudar? Porto Alegre: Artmed Editora.
Recebido em: 2/10/2003
Aceito em: 2/03/2004

Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária

Prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade numa escola pública primária

Attention deficit/hyperactivity disorder prevalence in an inner city elementary school


Marcio M. VasconcelosI; Jairo Werner Jr.II; Ana Flávia de Araújo MalheirosIII; Daniel Fampa Negreiros LimaIII; Ítalo Souza Oliveira SantosIII; Jane Bardawil BarbosaIII
Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói RJ, Brasil IProfessor Assistente de Pediatria, HUAP-UFF. ex-Fellow em Neurologia Infantil no Children's Hospital, George Washington University, Washington, DC, USA IIProfessor Adjunto de Neuropsiquiatria Infantil, HUAP-UFF IIIInternos da Faculdade de Medicina, HUAP-UFF
Endereço para correspondência


RESUMO
OBJETIVO: Definir a prevalência do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) numa amostra de crianças escolares de uma única escola primária pública. MÉTODO: A população do estudo foi composta por todos os alunos das classes de alfabetização à quarta série de uma escola. No primeiro estágio da pesquisa, as professoras e os pais preencheram um questionário padronizado de 18 sintomas definidos no DSM-IV. No segundo estágio, os alunos com triagem positiva foram convidados para um atendimento na escola. Após assinatura de consentimento esclarecido, preencheram-se o questionário de sintomas do DSM-IV, uma anamnese dirigida e um questionário psicossocial concebido para a pesquisa e realizaram-se exames físico e neurológico completos. O diagnóstico de TDAH admitia três subtipos: hiperativo predominante (H), desatento predominante (TDA), ou misto (TDA+ H). RESULTADOS: De 403 alunos avaliados no início, 108 tiveram triagem positiva. Destes, avaliaram-se 101 alunos. Havia 68 meninos e 33 meninas. A idade mediana foi 9 anos (faixa, 6-15 anos; desvio padrão, 1,99). O diagnóstico de TDAH foi definido em 69 alunos (17,1%), incluindo 27 crianças (39,1%) com TDA sem H, 26 crianças (37,7%) com TDA + H e 16 (23,2%) com H sem TDA. Dentre as crianças diagnosticadas, 45 (65,2%) eram meninos e 24 (34,8%) meninas (razão 1,9:1). CONCLUSÃO: A prevalência de TDAH em 403 crianças escolares de uma escola primária pública foi 17,1%.
Palavras-chave: transtorno de déficit de atenção, hiperatividade, criança, prevalência.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To define the prevalence of attention deficit/hyperactivity disorder (ADHD) in a sample school-aged children from a public elementary school. METHOD: The study population was composed of all pupils who attended the first five grades at a public state school. During the first stage, school teachers and parents filled a standardized questionnaire of 18 ADHD symptoms defined at DSM-IV. In the second stage, children who screened positive and their parents were invited for a medical visit at school. After signature of an informed consent, the following procedures were done: DSM-IV symptoms questionnaire, oriented history, physical exam and neurologic exam. ADHD diagnosis was subdivided into three types: predominantly hyperactive (H), predominantly inattentive (ADD), and mixed type ADD + H. RESULTS: Among 403 pupils recruited in the first stage, 108 screened positive. Of these, 101 were assessed. There were 68 boys and 33 girls. Median age was 9 years (Range, 6-15 years; standard deviation, 1.99). ADHD diagnosis was defined for 69 pupils (17.1%), including 27 children (39.1%) with ADD, 26 children (37.7%) with ADD + H, and 16 children (23.2%) with H without ADD. Among children who received a diagnosis of ADHD, 45 (65.2%) were boys and 24 (34.8%) were girls (ratio 1.9:1). CONCLUSION: ADHD prevalence in a sample of 403 school-aged children from a public elementary school was 17.1%.
Keywords: attention deficit disorder, hyperactivity, child, prevalence.


O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é o distúrbio do neurodesenvolvimento mais comum na infância1. A apresentação clínica do TDAH compreende três categorias principais de sintomas — desatenção, impulsividade e hiperatividade — que se manifestam em ambientes diferentes e causam comprometimento funcional2. Sabe-se também que o TDAH começa no início da vida e pode persistir na adolescência e idade adulta 3. A prevalência citada em diferentes estudos variou de acordo com a faixa etária da amostra e os critérios usados. A prevalência tradicionalmente mencionada é de 3 a 5% das crianças escolares4. Porém, é evidente que os estudos mais recentes encontraram prevalência mais alta, e os estudos epidemiológicos mais rigorosos definiram taxas de 4 a 12% da população geral de crianças de 6 a 12 anos de idade5. Os estudos epidemiológicos analisaram populações pediátricas em comunidades ou em escolas, com taxas geralmente mais altas nas últimas. Por exemplo, Newcorn et al.6 estudaram crianças de uma única escola primária de um bairro pobre urbano e encontraram uma prevalência de 26%. O impacto do TDAH na comunidade é ainda maior quando se considera que este transtorno acarreta morbidade continuada na adolescência (85% das crianças) e na idade adulta (50 a 70%)7.
Segundo a nomenclatura atual, em vigor desde 1994, com a publicação da quarta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition (DSM-IV)8, o TDAH compreende três subtipos: hiperativo-impulsivo predominante, desatento predominante e misto. Seja qual for a população estudada, o TDAH é diagnosticado com maior frequência em meninos que em meninas. As amostras clínicas descrevem razões entre os sexos masculino e feminino (M:F) de até 9 para 19. Porém, a maioria dos estudos encontrou razão M:F de 4:1 para o tipo predominantemente hiperativo-impulsivo, e 2:1 para o tipo predominantemente desatento10.
Este estudo tem por objetivo estabelecer a prevalência de TDAH numa amostra de crianças escolares, um tema raramente relatado por autores nacionais. A este respeito, Guardiola11 realizou um estudo pioneiro no município de Porto Alegre, no qual verificou-se uma prevalência de 18% de TDAH segundo os critérios do DSM-III-R. Mais recentemente, Rohde et al.12 encontraram prevalência de 5,8% (intervalo de confiança de 95% = 3,2-10,6%) numa amostra de 1013 adolescentes de 12 a 14 anos de idade representativos da população de adolescentes em Porto Alegre.

MÉTODO
Além do objetivo de definir a prevalência de TDAH numa amostra de crianças escolares, relatada neste estudo, a presente pesquisa teve o objetivo precípuo de aferir a correlação de um grupo de fatores psicossociais com o diagnóstico de TDAH. Assim, os autores optaram por estudar uma amostra socialmente homogênea de uma única escola pública. Os autores obtiveram a aprovação da pesquisa pela diretora e professoras do ensino fundamental do Colégio Estadual José Bonifácio (CEJB), em Niterói-RJ. O CEJB atende predominantemente a alunos da classe socioeconômica baixa. Sua população global de 1127 alunos (no segundo semestre de 1999), distribuídos em turmas do ensino fundamental (primeiro grau) e apenas uma turma de ensino médio (segundo grau), que provêm das comunidades carentes vizinhas, quais sejam, o Aterrado de São Lourenço (conhecido como Favela do Sabão), Morro da Boa Vista, Comunidade Juca Branco e Morro do Holofote.
Amostra. A amostra do estudo foi composta por todos os alunos das classes da alfabetização à quarta série, distribuídos por 21 turmas. As professoras do CEJB preencheram questionário de sintomas de TDAH (DSM-IV) para cada aluno de todas as turmas das cinco séries, isto é, um total de 572 alunos. Em seguida, convidaram um dos pais ou um responsável para visitarem a escola e preencherem a segunda cópia do questionário. Foi possível obter o preenchimento do questionário pelos pais ou responsáveis de 403 alunos. Portanto, a triagem inicial foi concluída para 403 alunos (70,5%) de cinco séries do CEJB, que tiveram o questionário de sintomas preenchidos pela professora e por um responsável. Cento e oito alunos alcançaram a pontuação mínima que satisfaz este critério para o diagnóstico de TDAH, mas apenas 101 (93,5%) compareceram e concluíram o atendimento da pesquisa. Todos os pais ou responsáveis que compareceram à escola aceitaram participar da pesquisa e assinaram o consentimento esclarecido. Os 7 alunos que não concluíram o atendimento (6 que jamais compareceram e um que compareceu mas abandonou o atendimento no início) foram excluídos da análise estatística.
Diagnóstico de TDAH. A pesquisa do diagnóstico consistiu inicialmente na avaliação dos 18 sintomas de TDAH estabelecidos do DSM-IV, os quais consistem em nove quesitos para desatenção e nove quesitos para hiperatividade/impulsividade. A presença de pelo menos seis de nove quesitos positivos sugere a presença de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade. Os 18 quesitos foram apresentados na forma de pergunta aos pais e à professora, com quatro respostas possíveis: "nunca", "pouco", "bastante" e "demais". Um determinado quesito foi definido como positivo quando a resposta escolhida foi "bastante" ou "demais". Uma resposta "nunca" ou "pouco" para um dado quesito significou ausência daquela manifestação de TDAH. Além da pontuação mínima no questionário de sintomas do DSM-IV, o diagnóstico clínico de TDAH exige a satisfação de quatro critérios adicionais, a saber, a presença de alguns sintomas pertinentes antes de 7 anos de idade; o comprometimento resultante dos sintomas deve estar presente em dois ou mais ambientes distintos; deve haver evidências claras de comprometimento clinicamente significativo da função social, acadêmica ou ocupacional; e os sintomas não são mais bem explicados por outra afecção, tal como transtorno global do desenvolvimento ou transtorno do humor (DSM-IV)2. A satisfação desses quatro critérios foi definida através da anamnese estruturada e do questionário psicossocial concebido para a pesquisa. Os 38 alunos (101 menos 69) que tiveram a triagem inicial positiva mas não satisfizeram todos os critérios de diagnóstico de TDAH durante o atendimento receberam o rótulo de "alunos indeterminados".
Atendimento. Os pais ou responsáveis de cada um dos 108 alunos que tiveram a triagem positiva para os sintomas de TDAH receberam convite por escrito para participarem da pesquisa, entregue a eles pela professora da criança. Os que não compareceram à data inicial de atendimento receberam convites adicionais por escrito. Os dados foram coletados sempre na presença de um dos pais ou do responsável e da criança. O período de coleta de dados estendeu-se de agosto de 1999 a fevereiro de 2000. A duração média de cada atendimento foi de aproximadamente 35 minutos. Quando o genitor ou responsável entrava na sala da pesquisa com a criança, inicialmente explicavam-se os objetivos e alcance da pesquisa através da leitura do formulário de consentimento esclarecido. Todos os pais ou responsáveis que compareceram à escola aceitaram participar da pesquisa e assinaram o consentimento, porém a mãe de uma única criança precisou se ausentar no início da coleta de dados e não retornou mais para preencher os formulários. Esta criança foi excluída da pesquisa. Assim, foi possível analisar 101 dos 108 alunos. Durante o atendimento, o genitor ou responsável respondia diretamente às 18 perguntas do questionário de sintomas de TDAH formuladas pelo pesquisador. Em seguida, obtinha-se uma anamnese dirigida para os sintomas e a repercussão clínica do TDAH, preenchia-se um questionário psicossocial concebido para a pesquisa e realizavam-se exames físico e neurológico completos da criança.

RESULTADOS
As 101 crianças recrutadas para este estudo frequentavam o CEJB da classe de alfabetização à quarta série, e pertenciam a 21 turmas diferentes. A série com maior representação foi a de alfabetização, com 29 crianças (28,7%), enquanto a primeira à quarta séries continham, respectivamente, 23, 16, 17 e 16 alunos. A faixa etária das crianças foi de 6 a 15 anos de idade (média, 9,4 anos; mediana, 9 anos; desvio padrão, 1,99 ano; erro padrão da média, 0,20 ano). A Figura 1 mostra a distribuição etária dos 101 alunos estudados. A renda média familiar foi de R$ 480,10, e 88,4% das crianças pertenciam a famílias com renda mensal inferior a 3 salários mínimos.



Triagem médica. Durante o atendimento padronizado das 101 crianças recrutadas para a pesquisa, detectaram-se anormalidades que levaram aos seguintes diagnósticos médicos: asma brônquica (5 crianças), deficiência visual (3), distúrbio do sono (3), furunculose (2), distúrbio de ansiedade (2), febre reumática (1), epilepsia parcial complexa (1), surdez moderada-grave (1) e pediculose (1). No total, a triagem médica foi positiva em 19 (18,8%) de 101 crianças. As crianças diagnosticadas foram encaminhadas aos ambulatórios do HUAP.
Prevalência e subtipos de TDAH. A triagem inicial realizada pelas professoras, que utilizou o questionário de sintomas de TDAH, foi positiva para 108 de 403 alunos (26,8%). Ao fim da análise sistemática de 101 dos 108 alunos com triagem positiva, 69 crianças tiveram o diagnóstico de TDAH confirmado. Tendo como base o tamanho de 403 alunos da amostra inicial, encontra-se uma taxa de prevalência de TDAH de 17,1%. A subclassificação dos casos diagnosticados segundo os subgrupos estabelecidos no DSM-IV mostra que o subgrupo mais frequente nesta amostra foi o déficit de atenção (TDA) sem hiperatividade (H) (27 alunos, 39,1%), seguido pelo subgrupo de desatenção e hiperatividade associadas (26 alunos, 37,7%) e por fim o subgrupo com hiperatividade predominante (16 alunos, 23,2%).
Embora a amostra inicial de 403 alunos mostrasse uma distribuição praticamente igual entre os dois sexos (meninos 53,6%, meninas 46,4%), dentre os 69 casos diagnosticados o sexo masculino predominou (65,2%). Esta diferença, contudo, não foi estatisticamente significativa (p = 0,71). Na comparação da distribuição sexual entre os três subgrupos de TDAH, observa-se que o sexo masculino foi sempre mais frequente, porém a desproporção é mais alta no grupo H (razão M:F de 3:1), intermediária no grupo TDA + H (razão M:F de 2,25:1) e mais baixa no grupo TDA (razão M:F de 1,25:1). Dentre as 24 meninas diagnosticadas com TDAH, o subgrupo mais prevalente foi aquele com déficit de atenção e sem hiperatividade (TDA), enquanto entre os 45 meninos diagnosticados o subgrupo misto (TDAH) foi o mais comum. Ou seja, os sintomas de hiperatividade/impulsividade estiveram presentes em 50% das meninas diagnosticadas (12/24), mas 66,7% (30/45) dos meninos os manifestaram. Porém, esta diferença não foi estatisticamente significativa (p = 0,18).

DISCUSSÃO
A partir de uma amostra de 403 alunos (70,5% do total de 572 alunos das primeiras cinco séries escolares), a aplicação isolada do questionário de sintomas de TDAH detectou achados positivos em 108 alunos (26,8%). Uma avaliação estruturada — incluindo a pesquisa dos cinco critérios de diagnóstico de TDAH definidos no DSM-IV — confirmou o diagnóstico em 69 (68,3%) de 101 alunos analisados, ou seja, a prevalência encontrada na pesquisa foi de 17,1% (69 casos na amostra de 403 alunos).
Uma comparação das taxas de prevalência de TDAH citadas em diferentes estudos (Tabela 1) mostra ampla variação. Por exemplo, o estudo realizado por Landgren et al.13 de 589 crianças com 6 anos de idade encontrou prevalência de apenas 2%, enquanto o estudo de Wolraich, et al.14 detectou prevalência de 16,1% baseada no questionário de sintomas.



O presente estudo encerra a importante limitação de ter analisado alunos de uma única escola, o que dificulta a generalização dos achados para o universo das crianças escolares. Newcorn et al.6 também estudaram uma amostra de crianças de uma escola primária pública de uma zona urbana carente e observaram prevalência de 26%. Não obstante, a análise de uma amostra socialmente homogênea de uma dada escola pode ajudar a definir a variação do risco de TDAH segundo características socioeconômicas de cada população. As altas taxas observadas no presente estudo (17,1%) e no estudo de Newcorn et al.6 (26%) fortalecem a noção de que determinados fatores psicossociais (p. ex., baixa renda) estão associados ao diagnóstico de TDAH15.
Embora o diagnóstico dependa da pontuação obtida no questionário de sintomas de TDAH, a satisfação apenas deste critério é insuficiente para o diagnóstico. Um estudo que demonstrou o risco de se utilizar apenas o questionário de sintomas é aquele de Wolraich, et al.14. Este autores estudaram amostra de 4323 alunos de 5 a 12 anos de idade; a análise isolada do questionário de sintomas preenchido por professores de escolas primárias demonstrou prevalência de 16,1% de TDAH. Porém, com a inclusão dos demais critérios de diagnóstico do DSM-IV, a prevalência caiu para 6,8%. Em suma, as informações obtidas através do questionário de sintomas devem ser complementadas com uma história clínica completa, incluindo a idade de início e duração dos sintomas, e uma anamnese cuidadosa, que inclua uma avaliação das consequências funcionais do comportamento da criança5.
Szatmari, et al.16 analisaram amostra de 2687 indivíduos de 4 a 16 anos de idade na zona rural do Canadá e encontraram taxa de prevalência de TDAH de 9,0% em meninos e 3,3% em meninas.
A prevalência de 17,1% está acima da faixa (4 a 12%) descrita recentemente na revisão por Brown et al.5. Porém, estes valores foram descritos para estudos populacionais, enquanto os estudos dedicados a amostras em escolas tenderam a encontrar taxas de prevalência mais altas (Tabela 1). Por exemplo Baumgaertel et al.17 descreveram uma prevalência de 17,8%, e a taxa observada por Newcorn et al.6 foi 26%. Estes últimos autores avaliaram 72 crianças matriculadas numa única escola pública de uma zona urbana carente e basearam o diagnóstico nos critérios do DSM-III-R. De certo, o pequeno tamanho da amostra deste estudo compromete os seus resultados, ao passo que o estudo de Baumgaertel et al.17 abrangeu amostra de 1077 alunos.
Scahill e Schwab-Stonne9 afirmaram que a idade da população estudada pode exercer uma influência importante na prevalência de TDAH, pois a idade mais frequente de diagnóstico seria aos 7-8 anos e depois haveria um declínio crescente da prevalência com a idade. Eles salientaram as dificuldades de se compararem taxas de prevalência de estudos diferentes, tendo em vista a ausência de um exame de diagnóstico definitivo para o TDAH. Argumentaram que os seguintes fatores também influenciam a prevalência observada: a definição de TDAH; a qualidade do informante; a consideração de comprometimento da função além da pontuação no questionário de sintomas; e os métodos de coleta dos dados. Além do mais, os estudos epidemiológicos anteriores a 1994 utilizaram os critérios de diagnóstico do DSM-III ou DSM-III-R, os quais tendiam a fornecer taxas de prevalência mais altas5.
Scahill et al.15 partiram de amostra de 449 crianças (idade média de 9,2 anos) numa comunidade e, através de múltiplos estágios de análise, definiram o diagnóstico de TDAH em 89 crianças (19,8%). A partir da noção de que a distribuição dos sintomas de TDAH na população infantil é contínua em vez de categórica, também definiram um grupo de 100 crianças (22,3%), as quais receberam o rótulo de TDAH subliminar, ou seja, elas apresentaram alguns sintomas de TDAH, mas não em número ou intensidade suficiente para definir o diagnóstico (grupo de TDAH subclínico ou latente). Assim, esses autores enfatizaram a importância da escolha do limiar diagnóstico em epidemiologia psiquiátrica. Um dado limiar estabelecido exclui o diagnóstico em crianças que estão muito próximas mas aquém do limiar; por isso, os autores definiram um grupo intermediário entre sujeitos afetados e não-afetados com a finalidade de aprimorar a análise da influência dos fatores de risco no desfecho de TDAH.
As questões de qual intensidade dos sintomas comportamentais deve ser suficiente (limiar) para estabelecer o diagnóstico e qual instrumento deve ser utilizado para medi-la (no caso do TDAH, o questionário de sintomas) foram sublinhadas pelos críticos dos princípios do diagnóstico e tratamento do TDAH18-20. Porém, no uso clínico de qualquer exame complementar em medicina, o processo de diagnóstico depende da definição "arbitrária" de limiar que implicará em determinadas sensibilidade e especificidade daquele instrumento21. Assim, um limiar muito alto (sensibilidade baixa, especificidade alta) acarretaria uma taxa baixa de falso-positivos, mas uma alta taxa de falso-negativos, e vice-versa. Como em toda a neuropsiquiatria não existe um padrão-ouro que permita esclarecer o diagnóstico "com certeza", clínicos e pesquisadores devem contemporizar com os limites inerentes de seus recursos diagnósticos. Conclui-se que as dificuldades resultantes da ausência de um padrão-ouro não devem servir para invalidar determinado diagnóstico.
Outra crítica frequente ao uso do questionário de sintomas no diagnóstico de TDAH é a subjetividade das respostas ao questionário19. Conners3 salientou que a escala de classificação dos sintomas de TDAH por ele concebida foi padronizada e validada com base na resposta de 11000 crianças, adolescentes e adultos. Segundo aquele autor, uma vantagem das escalas de classificação estaria justamente no fato de que "os itens incluídos na escala podem utilizar uma grande base de dados normativos [subjacentes] na mente do observador".
No Brasil, as pesquisas sobre a prevalência de TDAH em crianças e adolescentes são escassas. O estudo de Guardiola11 foi pioneiro ao analisar uma amostra de 484 crianças da primeira série do ensino fundamental em Porto Alegre. Ela descreveu duas taxas de prevalência: 18% quando os critérios adotados foram os do DSM-III-R, e 3,5% quando se utilizaram critérios mais globais, incluindo avaliações comportamental e psicométrica e o exame neurológico evolutivo. A julgar pelo volume de estudos que descreveram taxas de prevalência mais altas em amostras similares, é possível que a autora tenha empregado limiar alto demais para obter a segunda taxa. Rohde et al.12 encontraram taxa de prevalência de 5,8% após escrupulosa avaliação clínica e comportamental de amostra representativa de adolescentes de 12 a 14 anos. Os autores utilizaram o questionário de 18 sintomas descrito no DSM-IV. Como os critérios para diagnóstico de TDAH formais foram concebidos para crianças pequenas, e não foram ajustadas para adolescentes e adultos4, é possível que esta taxa subestime a dimensão do TDAH na adolescência.
É preciso enfatizar algumas limitações deste estudo. Algumas crianças incluídas na categoria "alunos indeterminados" talvez recebessem o diagnóstico de TDAH numa análise mais detalhada do seu quadro clínico. Reconheceu-se essa possibilidade, mas foi necessário limitar-se aos métodos estabelecidos na pesquisa. Esse possível erro de classificação provavelmente não invalidaria a taxa de prevalência encontrada. Ademais, uma palavra de cautela é oportuna a respeito da generalização dos achados da pesquisa, uma vez que o estudo utilizou amostra de crianças escolares matriculadas numa única escola pública. Convém ressaltar que o número de sujeitos analisados foi relativamente pequeno (n = 403), o que reduz a potência estatística do estudo, e a população do estudo pertencia à classe socioeconômica mais desfavorecida, o que reduz a validade externa dos resultados para as crianças escolares de todas as classes socioeconômicas.
Agradecimento - Os autores desejam agradecer à Profa. Helena Maria Sardenberg Bastos, pela colaboração inestimável na realização deste estudo.

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Endereço para correspondência Dr. Marcio M. Vasconcelos Avenida das Américas 700 sala 229 bloco 6 22640-100 Rio de Janeiro RJ, Brasil E-mail: mmvascon@centroin.com.br
Recebido 6 Junho 2002, recebido na forma final 30 Agosto 2002. Aceito 13 Setembro 2002.